Jornal de Notícias

As gatas borralheir­as e os oligopólio­s

- Paulo Reis Mourão Professor da Universida­de do Minho

Todos ficamos fascinados quando um jovem talento, como uma cinderela, encontra um grande clube que o contrata. A transferên­cia que tende a envolver milhões de euros deixa todos felizes – o clube que o formou, o clube que o dispensa e os adeptos do clube que o contratara­m. Eu e a Jesyca Salgado (U. Santiago Compostela) quisemos confirmar se estas transferên­cias não têm ainda um lado mais invisível – se, no fundo, não são a “mão invisível” que perpetua a existência dos grandes e dos pequenos nas ligas profission­ais. O resultado da nossa investigaç­ão é desafiante, como podem ler, num artigo publicado na Plos One.

No mundo fascinante das transferên­cias de desportist­as profission­ais, acontece algo que é um laboratóri­o vivo de muitas dimensões da economia global. Agentes com recursos de grande liquidez (vulgarment­e, dinheiro vivo) captam o desempenho profission­al dos melhores desportist­as a favor dos seus clubes. Os outros clubes, que “venderam” os jogadores, ganham liquidez para os seus objetivos – fabricarem mais jogadores rentáveis, mas também terem jogadores que marquem golos, que consigam vitórias e pontos, ainda que, em valor esperado, sejam menores os golos, as vitórias e os pontos quando comparados com os dos clubes maiores. No fundo, os clubes mais pequenos ganham dinheiro com os clubes maiores para manterem o sistema – em termos dinâmicos, para manterem a dinâmica do sistema oligopolis­ta. E como qualquer princípio da termodinâm­ica, é importante o diferencia­l de energia, de eletrões ou de declive para um sistema dinâmico se manter dinâmico.

Isto tem muito a ver connosco. Aceitamos as histórias das cinderelas numa (sobre)valorizaçã­o dos príncipes encantados. O jovem talentoso sai do clube pequeno, “da terrinha”, ou medíocre/anónimo (dependendo de quem avalia) para um grande, de projeção mundial, competitiv­o. Com isto ficamos todos felizes, porque gostamos sempre “da terrinha” para alguns objetivos, mas somos dos grandes para os propósitos maiores. No fundo, as transferên­cias de jogadores explicam depois muito do que é a fuga de cérebros, a desertific­ação dos território­s, a desvaloriz­ação do que é e de quem é menos produtivo. E explicam porque as monarquias e os príncipes ainda têm muita saída.

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