Sangue-frio de polícias “molhados” evitou tragédia
Manifestação de “secos e molhados” surgiu de forma espontânea após reunião de mais de dois mil polícias
Há 35 anos, António Ramos foi um dos seis polícias detidos na manifestação dos “secos e molhados” que, diz, só não se transformou numa tragédia devido ao sangue-frio de muitos agentes. “Todos os manifestantes estavam fardados e alguns puxaram de arma. Só não dispararam porque foram acalmados pelo colega do lado. Se o tivessem feito, tinha acontecido o pior”, sublinha.
Ramos, hoje com 68 anos e um passado intenso no sindicalismo na PSP, conta que “também houve polícias que se apoderaram das armas que estavam guardadas nalgumas esquadras e estavam prontos para tudo”.
A manifestação mais simbólica na luta pela liberdade sindical na PSP teve lugar a 21 de abril de 1989, mas a reivindicação por uma folga semanal, melhores salários e, já então, pelo subsídio de risco começou uma década antes. “A PSP era uma força militarizada, liderada por militares e com um regime
pesado. Queríamos mudar isso”, recorda.
Um grupo de cerca de dez polícias começou por se reunir nas suas próprias residências, mas com o crescimento do movimento organizaram-se encontros clandestinos em diferentes comandos do País. “Púnhamos panfletos debaixo das camas nas esquadras e colávamos cartazes durante a noite”, descreve.
MOVIMENTO ESPONTÂNEO
Já com uma comissão pré-sindical eleita, o movimento contestatário ganhou dimensão pública e, em 10 de março de 1989, aconteceu a
primeira grande reunião. Seguiu-se o encontro na Voz do Operário, em abril. “Aprovámos uma moção e uma delegação de seis polícias foi entregá-la ao Ministério da Administração Interna. Mais de dois mil homens decidiram acompanhar-nos”, afirma.
A multidão concentrou-se na Praça do Comércio e, da janela, António Ramos viu chegar os canhões dos colegas do Corpo de Intervenção que, pouco depois, dispararam a água contra os manifestantes. “Chegámos a temer confrontos. Até o pessoal do MAI estava armado”, confessa.