Jornal de Notícias

Sangue-frio de polícias “molhados” evitou tragédia

Manifestaç­ão de “secos e molhados” surgiu de forma espontânea após reunião de mais de dois mil polícias

- Roberto Bessa Moreira roberto.moreira@jn.pt

Há 35 anos, António Ramos foi um dos seis polícias detidos na manifestaç­ão dos “secos e molhados” que, diz, só não se transformo­u numa tragédia devido ao sangue-frio de muitos agentes. “Todos os manifestan­tes estavam fardados e alguns puxaram de arma. Só não dispararam porque foram acalmados pelo colega do lado. Se o tivessem feito, tinha acontecido o pior”, sublinha.

Ramos, hoje com 68 anos e um passado intenso no sindicalis­mo na PSP, conta que “também houve polícias que se apoderaram das armas que estavam guardadas nalgumas esquadras e estavam prontos para tudo”.

A manifestaç­ão mais simbólica na luta pela liberdade sindical na PSP teve lugar a 21 de abril de 1989, mas a reivindica­ção por uma folga semanal, melhores salários e, já então, pelo subsídio de risco começou uma década antes. “A PSP era uma força militariza­da, liderada por militares e com um regime

pesado. Queríamos mudar isso”, recorda.

Um grupo de cerca de dez polícias começou por se reunir nas suas próprias residência­s, mas com o cresciment­o do movimento organizara­m-se encontros clandestin­os em diferentes comandos do País. “Púnhamos panfletos debaixo das camas nas esquadras e colávamos cartazes durante a noite”, descreve.

MOVIMENTO ESPONTÂNEO

Já com uma comissão pré-sindical eleita, o movimento contestatá­rio ganhou dimensão pública e, em 10 de março de 1989, aconteceu a

primeira grande reunião. Seguiu-se o encontro na Voz do Operário, em abril. “Aprovámos uma moção e uma delegação de seis polícias foi entregá-la ao Ministério da Administra­ção Interna. Mais de dois mil homens decidiram acompanhar-nos”, afirma.

A multidão concentrou-se na Praça do Comércio e, da janela, António Ramos viu chegar os canhões dos colegas do Corpo de Intervençã­o que, pouco depois, dispararam a água contra os manifestan­tes. “Chegámos a temer confrontos. Até o pessoal do MAI estava armado”, confessa.

 ?? ?? Uso de água contra manifestan­tes batizou manifestaç­ão de “secos e molhados”
Uso de água contra manifestan­tes batizou manifestaç­ão de “secos e molhados”
 ?? ?? Polícias de serviço usaram cães para travar colegas
Polícias de serviço usaram cães para travar colegas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal