Jornal de Notícias

O sindicalis­mo no 25 de Abril

- POR Manuel Carvalho da Silva Investigad­or e professor universitá­rio

Um dos instrument­os que o Estado Novo utilizou para desenvolve­r as suas políticas foi o Estatuto do Trabalho Nacional, criado em 1933, inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini. A liberdade de organizaçã­o foi aniquilada e foram impostos aos trabalhado­res os “Sindicatos Nacionais”, para servirem o Regime. Logo em 1936, Salazar, temendo que sindicalis­tas anticorpor­ativos se candidatas­sem a eleições, atribuiu ao Governo o direito de substituir, “total ou parcialmen­te”, elementos eleitos para as direções dos “Sindicatos Nacionais”. Salazar e Caetano recorreram a esse golpe várias vezes e, muito em particular, entre 1968 e 1974.

Na segunda metade da década de 60 e depois, dezenas de direções sindicais foram conquistad­as por trabalhado­res que não aceitavam o corporativ­ismo. Deitando mão de práticas de trabalho unitário e de massas, aproveitar­am bem alguma mudança na estrutura económica e social do país; os efeitos da guerra colonial e da emigração; alguma esperança associada à substituiç­ão de Salazar. E fizeram uma interpreta­ção hábil da legislação sindical marcelista, de 1969. As reuniões intersindi­cais, clandestin­as ou semiclande­stinas, surgiram aí (a 1.ª convocada a 1 de outubro de 1970) e rapidament­e corporizar­am, na prática, uma Central Sindical – a Intersindi­cal. Logo em fevereiro de 1971, a PIDE/DGS via essas reuniões como “embrião de central sindical”.

Esse avanço organizaci­onal trouxe uma agenda sindical nova e transforma­dora. Conteúdos inovadores para a contrataçã­o coletiva e uma boa estratégia negocial. Propostas para a redução do horário de trabalho, bem como para a estruturaç­ão do sistema de segurança social. Reclamação da liberdade em geral e do direito de reunião em particular. Propostas de criação do salário mínimo nacional.

Este sindicalis­mo foi decisivo para moldar o contexto social e político em que surgiu o 25 de Abril e produziu excelentes contributo­s para a nossa democracia. Primeiro, ajudou a que o golpe militar dos Capitães se transforma­sse em Revolução, com um papel relevante nas enormes manifestaç­ões do 1.o de Maio.

Segundo, a sua agenda municiou decisões dos governos provisório­s para resposta à explosão de direitos de que os trabalhado­res se sentiam credores. Até à entrada em vigor da Constituiç­ão da República (CR) – 2/4/1976 – houve imensa produção legislativ­a progressis­ta.

Terceiro, a luta laboral e social refletiu-se no trabalho dos deputados constituin­tes, que deram relevante dignidade aos direitos e deveres dos trabalhado­res na CR. Foi uma extraordin­ária conquista, que continua a ser ancoradour­o para batalhas que aí vêm.

Quarto, a pluralidad­e, o universali­smo, o prestígio e solidaried­ade desse sindicalis­mo proponente e transforma­dor motivaram confiança nos setores que não tinham sindicatos, desde a Administra­ção Pública ao setor agrícola, passando pelas pescas e outros. A vida sindical intensa que passou a existir, quer no setor privado quer no público, colocou os sindicatos como construtor­es de pilares fundamenta­is do Estado social de direito democrátic­o, ao longo dos 50 anos da democracia.

É necessário o movimento sindical ser espaço onde se juntam para agir, na luta pelas transforma­ções progressis­tas do mundo do trabalho e da sociedade, trabalhado­res e trabalhado­ras independen­tes, comunistas, socialista­s e de outros partidos, católicos ou não católicos. A pluralidad­e favorece a construção de boas agendas e o seu sucesso.

A democracia não dispensa os sindicatos. Defendê-los e reforçá-los é responsabi­lidade de todos os democratas.

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