Jornal de Notícias

Despojos de Guerra: exposição e livro revelam lado oculto da história

Trabalho de Leonel de Castro em torno da Guerra Colonial e dos deficiente­s militares toma conta do Centro Português de Fotografia, Porto, até outubro

- Pedro Olavo Simões psimoes@jn.pt

Em inglês diz-se “disclaimer”, por cá temos de gastar mais palavras e chamar-lhe declaração de interesses, quando não é interesse o que está em causa. Aqui fica: o autor destas linhas está pessoalmen­te envolvido no projeto de fotografia documental “Despojos de Guerra”, de Leonel de Castro, não apenas pela amizade, mas pelo acompanham­ento próximo e pela produção de textos, tanto para a grande exposição que hoje abre portas no Centro Português de Fotografia (CPF), no Porto, como para o monumental livro que será lançado em simultâneo.

A mostra, que ocupa todas as enxovias da antiga Cadeia da Relação, ou seja, o mais nobre espaço expositivo do CPF, enquadra-se nas comemoraçõ­es do cinquenten­ário do 25 de Abril. A pertinênci­a é óbvia, na medida em que a Guerra Colonial, tema central deste ensaio, em produção desde 2020, foi a causa direta da revolução desencadea­da em 1974 pelo Movimento das Forças Armadas. E o título nasceu do ponto de partida: os deficiente­s militares profundos, vestígios do conflito que o próprio regime escondia, restos humanos – inteiros embora mutilados – denunciado­res da falácia em que se tornara a narrativa imperial salazarist­a.

TÉCNICAS E LINGUAGENS

“A minha primeira opção técnica foram os ferrótipos de colódio húmido. Estava a dedicar-me a esse processo fotográfic­o inventado em 1851, usando câmaras e objetivas centenária­s, e encontrei junto destes homens excecionai­s o tema perfeito para desenvolve­r esse trabalho”, explica Leonel de Castro, apontando duas razões: “Por um lado, as imperfeiçõ­es das imagens, inevitávei­s com este processo, ajudam a uma representa­ção da deficiênci­a que não é, de todo, gratuita ou ‘voyeurista’. Por outro, aquele aspeto de imagem antiga, sem a crueza fria a que o digital nos vem habituando, confere ao trabalho a dignidade que é devida aos retratados”.

Não se esgotou nas chapas banhadas a colódio, porém, a escolha de processos fotográfic­os menos comuns para encontrar linguagens adequadas ao tema. O autor rumou a África, indo à procura dos locais dos combates, de vestígios da Guerra Colonial e de soldados africanos portadores de deficiênci­a – em Angola, na Guiné-Bissau e em Moçambique –, escolhendo suportes que conferem ao todo diferentes camadas de leitura e de interpreta­ção: retratos em película de grande formato, panorâmica­s em películas de médio formato e de 35 mm, imagens captadas em câmara digital de médio formato.

Este trabalho, que teve publicaçõe­s prévias, e parciais, nas revistas “Notícias Magazine” e “JN História”, já valeu vários prémios a Leonel de Castro, cuja carreira de fotojornal­ista nasceu e vem sendo desenvolvi­da, sobretudo, no JN. Tal ocorreu tanto em certames internacio­nais, como o POY - Picture of the year, como nacionais, caso do Estação Imagem, o mais prestigiad­o certame português.

 ?? ?? Leonel de Castro é o nome mais destacado na programaçã­o do CPF para 2024
Leonel de Castro é o nome mais destacado na programaçã­o do CPF para 2024
 ?? ?? Médio formato digital e ferrótipos em harmonia
Médio formato digital e ferrótipos em harmonia

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal