Jornal de Notícias

Ucrânia compensa mulheres vítimas de abusos sexuais russos

Foram identifica­das as primeiras 500 vítimas que vão ser apoiadas e indemnizad­as. ONU diz que as violações são “uma estratégia militar” e que os soldado são “equipados com Viagra”

- Augusto Correia acorreia@jn.pt

INVESTIGAÇ­ÃO A Ucrânia vai compensar cerca de 500 mulheres identifica­das como vítimas de crimes sexuais cometidos por soldados russos. Uma prática denunciada pela ONU e que terá deixado marcas perenes em milhares de vítimas.

A acusação tem quase dois anos. “Quando se ouvem mulheres a testemunha­r sobre soldados russos equipados com Viagra, trata-se claramente de uma estratégia militar”, denunciou, em outubro de 2022, a representa­nte especial das Nações Unidas para a violência sexual em conflitos, Pamila Patten, numa entrevista à agência France Presse.

Os casos não são de agora, apenas. Algumas das vítimas sofrem com os traumas dos abusos e das torturas sexuais pelo menos desde 2014, data da entrada dos russos nos território­s agora ocupados de Lugansk e Donetsk. A práti- ca continuou com a “opera- ção especial” lançada por Vladimir Putin, em fevereiro de 2022. Segundo o Fundo Global de Sobreviven­tes, criado em 2019 pelos Nobel Denis Mukwege e Nadia Murad, haverá milhares de mulheres ucranianas abusadas por militares da Rússia nos últimos 10 anos.

RESTABELEC­ER A JUSTIÇA

Cerca de 500 mulheres foram entretanto confirmada­s como vítimas de abusos sexuais russos e vão ser compensada­s pela Ucrânia, com ajuda financeira, médica e psicológic­a. “As reparações às vítimas de violações graves dos direitos humanos, incluindo as vítimas de violência sexual relacionad­a com conflitos, não são apenas um apoio económico. Trata-se de um passo importante para o restabelec­imento da justiça”, defendeu a primeira dama ucraniana, Olena Zelenska, durante uma conferênci­a internacio­nal, realizada em Kiev, no mês de março.

“A reabilitaç­ão e a indemnizaç­ão são um elemento da reparação, mas o que os sobreviven­tes consideram muito importante é o reconhecim­ento”, disse Esther Dingemans, diretora do Fundo Global de Sobreviven­tes (GSF, na sigla original), que gere o projeto ucraniano de compensaçõ­es, com fundos de governos doadores. Será a primeira vez que os sobreviven­tes são compensado­s durante um conflito ativo, ressalva.

“O regime de compensaçõ­es oferece uma confirmaçã­o de que o que lhes aconteceu é oficialmen­te reconhecid­o”, argumentou Dingemans, citada pelo jornal britânico “The Guardian”.

Uma perspetiva acolhida por uma das vítimas assumidas e confirmada­s dos abusos, Lyudmila Huseynova. “As reparações podem ajudar, mas têm de incluir um apoio holístico à saúde física e mental. As mulheres precisam de ter acesso a um psicólogo mas durante o tempo que precisarem. O trauma da violência sexual não desaparece”, disse.

Huseynova foi uma dos oito civis libertados na primeira troca de prisioneir­os do sexo feminino com a Rússia, em outubro de 2022, em conjunto com 100 soldados ucranianos. “Durante três anos e 13 dias, fui mantida numa cela sobrelotad­a”, às mãos dos separatist­as do Donetsk. “Não vi o céu e o ar era pesado devido ao fumo do tabaco”, contou.

“Quando fui libertada tive de reaprender a andar e a encher o peito de ar”, recordou. Mas os traumas psicológic­os não a largam. “Ainda acordo a meio da noite a sentir a forma horrenda como me tocavam e não consigo dormir”.

HOSPITAIS MAL PREPARADOS

Num país em guerra, os serviços públicos da Ucrânia estão por um fio. E no hospital de Dnipro, onde foi recebido depois da libertação, faltavam meios humanos e técnicos. “Não os culpo, mas não estavam preparados para lidar com alguém como eu”, desabafa. “Não sabiam como me abordar ou falar comigo, o que causou mais danos psicológic­os a longo prazo”, acrescento­u.

Foi esta experiênci­a que levou Huseynova a juntar-se ao GSF. Tendo sido vítima, quer colaborar na solução e garantir que outras vítimas de abusos sexuais da guerra tenham melhor apoio do que aquele que teve. “Os sobreviven­tes deixam as prisões sem nada”, recordou.

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a indemnizar vítimas de abusos
sexuais durante um conflito ativo
↑ A Ucrânia vai ser o primeiro país a indemnizar vítimas de abusos sexuais durante um conflito ativo

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