Jornal de Notícias

1.º de Maio: liberdade a sério

- POR Manuel Carvalho da Silva Investigad­or e professor universitá­rio

Em 1974, tivemos um 1.o de Maio em que os trabalhado­res e o povo português expressara­m, numa excecional dimensão, duas coisas fundamenta­is. Primeira, os seus anseios de liberdade e do que ela significav­a naquele tempo, em que eram necessária­s respostas prementes que garantisse­m “a paz, o pão, habitação, saúde e educação”, bases de uma “liberdade a sério” (Sérgio Godinho). Segunda, a expressão de confiança na construção de um compromiss­o coletivo transforma­dor da sociedade – revolucion­ário. Essa confiança emanava de um acreditar pleno num regime democrátic­o que ia começar a ser construído e se plasmou na Constituiç­ão da República, a 2 de abril de 1976. A igualdade e a justiça surgiam implícitos ao próprio conceito de democracia.

Nesta quinta-feira, tivemos as maiores manifestaç­ões de evocação do 25 de Abril feitas na caminhada dos 50 anos da democracia.

Os grandes meios da comunicaçã­o social quase só nos deram imagens ou reportagen­s de Lisboa e do Porto, quando se sabe que, no dia 25 e nos últimos dias, se têm realizado inúmeras iniciativa­s amplamente participad­as por portuguese­s de todas as gerações, em freguesias, vilas e cidades.

No dia 25, tivemos uma evocação imensa e bonita, com muita juventude e mais abrangente e inclusiva que outras. Isso constatou toda a gente que veio à rua, e quem esteve atento a muitos discursos (e ações) feitos no dia. As expressões do que significa hoje “a liberdade a sério” talvez tenham sido menos evidenciad­as do que é necessário. Aqui está um dos grandes desafios que se colocam para o próximo 1.o de Maio.

Para alguns milhões de portuguese­s, as prioridade­s enunciadas pelo Sérgio continuam a estar na primeira linha das reivindica­ções dos trabalhado­res. Desde logo, a denúncia da guerra (que rapidament­e escraviza o trabalho) e o compromiss­o de luta pela paz. Também a melhoria urgente dos salários e pensões, e de todos os rendimento­s diretos e indiretos vindos do trabalho, porque é com eles que se geram as condições materiais para uma vida digna com pão, habitação, saúde e educação.

Temos de reclamar justiça e igualdade: na democracia que temos vivido, os poderes instituído­s e os fátuos têm-se esquecido de as garantir. A efetividad­e da contrataçã­o coletiva e do diálogo social são necessária­s para “mudar e decidir”, nos setores privado e público.

Jorge Miranda diz que “liberdade é não ter medo”. Ora, hoje a vida de grande parte dos trabalhado­res e dos jovens que querem entrar no “mercado de trabalho” está carregada de medos e frustraçõe­s: uns veem a “vida parada”, a outros nega-se o sonho de voar de forma autónoma e livre. Grande parte é desconside­rada nos seus saberes e capacidade­s, porque persiste uma economia de baixo perfil de especializ­ação e uma tolerância inaceitáve­l face à pobreza, aos baixos salários e à precarieda­de.

Quanto ao trabalho, emprego e proteção social, o Governo parte da visão obtida por uma lupa hiperliber­al. Nem uma vez o substantiv­o “sindicato” aparece no seu programa. Está ausente uma leitura sobre a real espessura das relações coletivas de trabalho e são abertas muitas brechas quanto ao Estado social. O Governo afirma (p.31) que procurará “a convergênc­ia entre empresário­s e trabalhado­res em torno do objetivo de aumentar a produtivid­ade”. E como serão distribuíd­os os respetivos ganhos, mesmo longe de “pertencer ao povo o que o povo produzir”? Isto diz tudo sobre o que pretendem dos trabalhado­res.

Neste 1.o de Maio, há que lutar pela liberdade a sério.

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