Jornal de Notícias

JP Simões cresceu com um gigante que também ficou maior

Cantor atua amanhã no Porto no ciclo “Canções da liberdade”. E contou ao JN o processo do novo álbum “JP Simões canta José Mário Branco”

- Ricardo Jorge Fonseca cultura@jn.pt

MÚSICA “Numa fase em que revisitamo­s o 25 de Abril, a música de intervençã­o é um dos grandes documentos da época – leva-nos para o dia, para os valores que representa, permite-nos avaliar a força que têm no presente”. Para JP Simões têm força vital e operativa, fazem-no cantar, expandir a dimensão artística e humana. Amanhã, às 11 horas, JP Simões atua no Coliseu do Porto, com a Orquestra de Jazz de Espinho, e a voz de Marta Ren, no ciclo “Canções da liberdade”.

O artista saiu um homem mais completo de “JP Simões canta José Mário Branco”, álbum de oito faixas que recupera a urgência e inquietaçã­o do autor de “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Uma alquimia dupla: também o histórico cantautor, falecido em 2019, sai revitaliza­do com o trabalho de Simões.

“Eu vim de longe”: a primeira parte do verso da canção de José Mário Branco descreve com acuidade o processo vivido por JP Simões. Remonta aos anos 1980 e à audição, num rádio a válvulas dos avós, do tema “Inquietaçã­o”.

INQUIETAÇíO, INQUIETAÇíO

Conservamo­s todos um filme, uma música, uma frase, que nalgum momento foi como um relâmpago. JP Simões foi atingido pela “inquietaçã­o”: “Era revelador de um estado de alma que eu não conseguia definir e que era claro naquela música”. Motor da obra de José Mário Branco, na perspetiva de Simões, foi também o sentimento que puxou por todo o projeto que se materializ­ou este ano.

Muito antes, em 2007, uma leitura de “Inquietaçã­o” fez parte do seu primeiro álbum a solo, “1970”, ano em que nasceu Simões. Depois foi o hábito que construiu de interpreta­r temas de José Mário nos seus concertos, e que teve o seu ápice em 2019, por ocasião dos 45 anos do 25 de Abril, em que recebeu vários convites para cantar ao vivo repertório da Revolução.

Mas o repto decisivo aconteceu em 2023, quando Hugo Ferreira, fundador da Omnichord Records, quis que Simões gravasse a versão de um concerto de guitarra e voz que José Mário tinha dado no Teatro Académico Gil Vicente.

Não foi exatamente isso que foi feito: Simões preferiu usar as interpreta­ções já testadas e acrescenta­r um estudo mais aprofundad­o da obra do cantautor, de quem foi colega na Faculdade de Letras de Lisboa: “Eu na literatura, ele na lógica”.

Já a segunda parte do verso, “Eu vou p’ra longe”, é mais controvers­a, porque Simões nunca quis transforma­r os temas escolhidos numa outra coisa: “Fui extremamen­te fiel à interpreta­ção do José Mário. Se soa diferente, é porque sou uma pessoa diferente. Achei que essa fidelidade tornaria todo o processo mais familiar e orgânico, até porque me sentia um bocado assustado no início, não sabia se iria estar à altura”, diz.

Mas há três exceções: de “Sopram ventos adversos” e “Travessia do deserto” subtraiu o “delírio” da secção instrument­al, e a “Perfilados de medo”, um “poema fortíssimo”, deu uma forma progressiv­a, feita de repetições, crescendo e clímax. A unificar o conjunto estão os arranjos de Nuno Ferreira e os instrument­os de Ruca Rebordão (percussões), Pedro Pinto (contrabaix­o) e Márcio Pinto (marimba).

LIVRES PARA ESCOLHER

E é hoje vital e operativa para o Mundo a música de intervençã­o? “As palavras têm poder”, afirma Simões. “A música confundiu-se com os movimentos sociais, no plano internacio­nal pensa no Bob Dylan ou Jim Morrison. E mesmo quando é só divertimen­to e libertação, isso também é revolucion­ário”.

Sobre os efeitos do 25 de Abril, passados 50 anos, JP Simões diz que o mais importante foi conquistad­o: “A liberdade de escolha. Mas a democracia não garante, por si só, a prosperida­de. Isso depende da qualidade das políticas dos governante­s eleitos. E sim, há muita coisa a melhorar”.

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“As palavras têm poder”, diz JP Simões sobre a música de intervençã­o

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