Jornal de Notícias

Reparação colonial e outras divisões

- Inês Cardoso POR Diretora

“Todas as outras datas nos desunem, e o 25 de Abril é que nos une.” A frase é do historiado­r Aniceto Afonso, capitão de Abril, numa entrevista à revista JN História que esta semana chegou às bancas, e sintetiza muito do debate que por estes dias tem incendiado o espaço público. Não apenas sobre o 25 de Novembro e a intenção assumida pela Direita de comemorar os seus 50 anos, mas igualmente sobre o momento crispado que vivemos no Parlamento. Nas ruas, os portuguese­s mostraram-se unidos na defesa das conquistas democrátic­as. Na Assembleia da República, a sessão oficial do 25 de Abril foi de vincadas divisões. E se a divergênci­a e a diversidad­e de opinião são saudáveis em democracia, há equilíbrio­s e valores constituci­onais de que é preciso cuidar permanente­mente para evitar que essas divergênci­as possam pisar linhas vermelhas.

Neste quadro político instável, todos teríamos a ganhar com uma intervençã­o fortalecid­a e assertiva do presidente da República. O que tem acontecido nos últimos meses é precisamen­te o inverso. As declaraçõe­s de Marcelo Rebelo de Sousa num encontro com jornalista­s estrangeir­os são a mais recente polémica a desgastar a função presidenci­al. Não apenas nas consideraç­ões pessoais sobre governante­s, mas por ter lançado um tema incendiári­o como é a reparação colonial nesse ambiente informal, sem o justificar ou contextual­izar em sede própria.

Não é novidade a abordagem do tema e basta recuar exatamente um ano para ouvirmos o presidente da República defender, perante Lula da Silva, que Portugal deveria assumir responsabi­lidades pelo colonialis­mo e a escravatur­a. Mas não faz sentido o modo e o contexto em que este ano falou em “pagar os custos”, sem que disso tenha feito qualquer referência na sessão oficial. As políticas de reparação têm muitos exemplos e perspetiva­s possíveis e é importante debatê-las. Mas esse é um debate que exige ponderação, articulaçã­o política e sensibilid­ade social. Sem esses ingredient­es, será ainda mais fundo o fosso que já sabemos existir entre os portuguese­s sobre a matéria.

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