Marcelo insiste em compensar ex-colónias mas Governo recusa
Presidente diz que tema não pode ser varrido para “debaixo do tapete” e sugere perdoar dívidas. Executivo afasta ideia e salienta cooperação
MEMÓRIA É a primeira discordância entre presidente da República e Governo: ontem, Marcelo Rebelo de Sousa insistiu que Portugal deve pagar reparações históricas às ex-colónias – avisando para o risco de se varrer o tema para “debaixo do tapete” –, mas o Executivo reagiu, em comunicado, dizendo que não pensa fazê-lo. O chefe de Estado tinha sugerido soluções como o perdão de dívidas ou a abertura de linhas de crédito.
Na inauguração do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, em Peniche, Marcelo defendeu que Portugal não deve limitar-se a pedir desculpa às antigas colónias, já que essa seria uma “solução fácil”. Argumentou que, uma vez apresentadas as desculpas, “nunca mais se fala nisso”. Assim, o presidente disse ser preciso ir mais longe, assumindo a “responsabilidade por aquilo que de bom e de mau houve no império”. Questionado sobre o motivo de ter trazido o tema para a agenda, disse que o fez em resposta a uma pergunta e que não queria “escamotear” o assunto.
“LIDERAR O PROCESSO”
“Não podemos meter isto debaixo do tapete ou dentro da gaveta”, prosseguiu Marcelo. “Temos obrigação de pilotar, de liderar este processo. Se não o lideramos, vai acontecer o que aconteceu com países que, tendo sido potências coloniais, ao fim de X anos perderam a capacidade de diálogo e de entendimento com as antigas colónias”, alertou.
No entender do chefe de Estado, algumas das “formas de reparar” as consequências do colonialismo são o perdão de dívidas, a cooperação ou a concessão de linhas de crédito e de financiamento. Defendeu que o atual Governo deveria continuar com o processo de levantamento dos bens patrimoniais das ex-colónias em Portugal, iniciado pelo anterior Executivo e com vista à sua devolução.
No entanto, o Governo colocou um travão à vontade do presidente. Horas depois da intervenção de Marcelo, a Presidência do Conselho de Ministros emitiu um comunicado a esclarecer que “não esteve e não está em causa nenhum processo ou programa de ações específicas” com vista a reparações às antigas colónias.
Ainda assim, o Governo lembra que Portugal tem
tido “gestos e programas de cooperação de reconhecimento da verdade histórica”. Lembra o pedido de desculpas pelo massacre de Wiriamu, em Moçambique, em 1972, e sublinha a “prioridade” que tem sido dada à cooperação em áreas como a língua, a educação, a cultura, a economia ou a saúde.
AINDA A “MAQUIAVÉLICA”
Marcelo recusou comentar a eventual ida da procuradora-geral da República, Lucília Gago, ao Parlamento. O presidente da Assembleia, Aguiar-Branco, tinha sugerido que esta esclarecesse casos como a “Operação Influencer”.
O presidente negou ainda ter chamado “maquiavélica” à procuradora. Disse ter-se limitado a aludir a “interpretações que foram feitas” sobre a atuação do Ministério Público.