Jornal de Notícias

Um monumento

- Helder Pacheco POR Professor e escritor

Em 2020, julgo que durante a pandemia, quase sem darmos por isso (das pessoas a quem falei, nenhuma se apercebeu), foi erguido no bosque da Senhora da Ajuda um novo monumento. No local mais discreto e improvável. Quase envergonha­do. Monumento digo eu, porque a designação é claramente ambígua. Chama-se “Memorial aos Combatente­s do Porto na Guerra do Ultramar”. Trata-se de um conjunto arquitetón­ico, em calcário, de forma quase circular, constituíd­o por placas verticais (com inscrições) assentes em bancos, também de pedra. No elemento central lê-se: “Edificado com o apoio da CMP e por iniciativa da Associação para o Monumento de Homenagem aos Militares do Porto que combateram no Ultramar, 2020”. Não são só combatente­s mas militares que lá morreram. E nos vários elementos do conjunto gravaram os nomes e data das suas mortes: Angola 29, Guiné 17 e Moçambique 25. Portuenses “mortos em combate”: 71. Vejo-o diariament­e e, às vezes, entro no recinto. Nunca encontrei ninguém e nem sequer uma flor ou lembrança. Passei por lá no 25 de Abril. Olhei: o chão, repleto de pontas de cigarro, parecia o de uma sala de “fumos”. No pavimento, faltavam pedras. Um energúmeno grafitara (e assinara) parte de uma parede. E interrogue­i-me para que serve um memorial, quando a memória é assim menospreza­da. No silêncio e esquecimen­to, senti-me envergonha­do por uma cidade que ignora os que morreram numa guerra inútil e absurda. Como o 25 de Abril se fez, também, para acabar com ela, lá deixei, pousado, o cravo vermelho que me tinham dado.

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