Ajudar quem se faz à estrada “é também uma forma de peregrinar”
Pombal Por estes dias, são centenas os voluntários que, ao longo das estradas, apoiam quem caminha até Fátima, tratando das feridas do corpo e da alma
“Pés novos não temos. Só de cera e em Fátima”. É a brincar que Ana Santos tenta descontrair o peregrino deitado numa das marquesas do posto que a Cruz Vermelha tem instalado na Redinha, em Pombal. Objetivo cumprido. Ana arranca um sorriso ao caminhante, que procurou ajuda para tratar das bolhas nos pés, depois de quatro dias a caminhar. “Uma brincadeira pode fazer diferença. Ajuda a mudar o astral da pessoa e a fazê-la encarar o resto do caminho como se Fátima fosse ao virar da esquina”, diz Joana Freitas, outra das voluntárias.
Mas Fátima não é “já ali”. Fica ainda a cerca de 60 quilómetros e para muitos peregrinos a ajuda prestada nos postos de apoio revela-se fundamental para chegar ao fim. Foi, aliás, essa constatação que fez Ana Santos a trocar a peregrinação a pé, que fez durante vários anos, pela ajuda aos caminhantes “Espiritualmente, é mais gratificante. É também uma forma de peregrinar”, diz, enquanto, termina mais um tratamento. À entrada da tenda, que funcionará até domingo, há mais pessoas à espera.
Também no posto móvel da Associação Portuguesa de Podologia (APP) instalado em Pombal, ao final da tarde de quinta-feira, não havia mãos a medir. “É muito trabalho, mas levamos daqui muito mais do que damos”, confessa Valentina Peixoto, aluna da licenciatura em Podo
logia e que integra o grupo de 30 voluntários afetos ao posto.
“SÃO UNS AMORES”
A par da prática adquirida, que é “uma mais-valia”, a jovem destaca a valorização humana proporcionada pela experiência. “O sentir que ajudamos as pessoas a chegar ao fim é incrível. Algumas dificilmente conseguiam prosseguir caminho sem este apoio.”
“São uns amores. Os meus pés estavam uma lástima. Cheguei a pensar que tinha de parar”, testemunha Marilene Carvalho, que saiu de Amarante no domingo. Cinco dias de caminhada que deixaram muitas bolhas nos pés, a maleita mais comum atendida no posto da APP, onde surgem também entorses e alergias, avança Jorge Anjos, podologista que presta apoio aos peregrinos
há 18 anos. Das muitas histórias vivenciadas, há uma que não lhe sai da cabeça: a de uma mulher que tinha a promessa de ir descalça e que chegou ao posto com os pés em chagas. “Até pedras tinha cravadas”. Depois de tentarem, sem sucesso, que não continuasse, trataram-na e ela acabou por conseguir chegar a Fátima.
COMIDA E ANIMAÇÃO
Enquanto uns tratam das maleitas físicas dos peregrinos, outros confortam os estômagos. É o que faz um grupo de amigos de Barcelos, que instalou
uma tenda na Redinha, onde oferecem sandes de porco no espeto, sopa, água, refrigerantes e fruta, que angariaram junto de 140 empresas.
Chegaram na quarta-fei- ra e vão ficar até dia 12, com uma equipa de 13 vo- luntários. No local, há também animação musi- cal, com a presença de ar- tistas que tocam e cantam para os peregrinos. “Tudo grátis”, salienta Secundino Pinto, um dos mento- res da iniciativa.
“A gratidão das pessoas é a melhor recompensa. Um abraço bem dado fica para a vida”, assegura Paula Ro- drigues, que integra um grupo de Vila Verde que, este ano, também trocou a viagem até Fátima pelo apoio a quem vai na estra- da, com uma pequena ban- ca montada na zona de Santa Maria da Feira, onde ofereceram água e alguma comida.
Uma brincadeira “pode mudar o astral” e colocar Fátima como se fosse ao virar da esquina