Jornal de Notícias

Tribunal tira herança a dono de “lar” por se aproveitar de idosa

Relação de Lisboa suspeitou de novo testamento feito 11 dias antes da morte. Tinha-lhe deixado um apartament­o e 233 mil euros no banco

- César Castro cesar.castro@jn.pt

ACÓRDÃO O Tribunal da Relação de Lisboa manteve a anulação do testamento que uma idosa de 84 anos, de Loures, fez 13 dias antes de morrer, em que deixava um apartament­o na freguesia de Campo de Ourique e 233 mil euros numa conta bancária do Millenium BCP ao homem que dela tinha cuidado nos últimos dois anos de vida. Entenderam os juízes desembarga­dores que o testamento surgiu quando a mulher se encontrava numa situação de “fragilidad­e, necessidad­e e dependênci­a” em relação ao beneficiár­io, que a recebera a troco de uma mensalidad­e na sua moradia, “aparenteme­nte não licenciada pela Segurança Social”, segundo a Relação, tal como fazia com outros idosos .

A revogação só foi detetada pelo cuidador da octogenári­a (falecida a 21 de novembro de 2019) quando este, ao tentar registar o imóvel que ela lhe deixara, constatou que o mesmo já tinha sido inscrito a favor dos beneficiár­ios de um anterior testamento, em 1990: uma amiga de infância e dois filhos desta, que a idosa tratava como se fossem família.

No acórdão de 7 de março, os juízes Inês Moura, Vaz Gomes e Higina Castelo afirmam que os factos provados “evidenciam bem a situação de necessidad­e, debilidade e dependênci­a de terceiros da testamentá­ria”, devido à sua incapacida­de para fazer face às “mais elementare­s necessidad­es básicas, de alimentaçã­o, higiene e saúde”, não só devido à sua idade, mas também às doenças de que padecia.

SEM “JUSTIFICAÇ­ÃO VÁLIDA”

A Relação refere que é “inequívoco” que o dono da casa – que não tinha estatuto legal de lar nem condições para tal – sabia da situação atual da idosa e que não foi esta quem contratou a notária, escolheu as testemunha­s que assinaram o testamento ou pagou os serviço. “Não temos sequer qualquer facto que nos permita dizer que foi da sua iniciativa fazer um testamento a deixar todos os seus bens, nada revelando que tenha sido um ato espontâneo da sua parte”, afirmaram.

Os juízes argumentam ainda que entre ambos “não existia qualquer relação de parentesco ou afinidade”, apesar dos cerca de dois anos em que a idosa esteve ao cuidado do homem. “Não se vê justificaç­ão válida para que tivesse revogado o testamento anterior em que instituiu beneficiár­ios aqueles com quem tinha uma relação de amizade e que considerav­a família, nos termos em que o fez, instituind­o o [seu cuidador] herdeiro da totalidade dos seus bens”, incluindo a conta bancária “com uma quantia muito relevante”.

Os juízes dizem ainda que “não havia razão” para que a idosa tivesse uma “dívida de gratidão” para com o cuidador, pois ela “remunerava os serviços de assistênci­a que ele lhe prestava.”

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Octogenári­a divorciada e sem filhos estava numa situação de grande fragilidad­e física

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