Jornal de Notícias

Largo do Terreiro

Também designado Terreiro da Senhora do Cais

- POR Germano Silva

Um leitor que comunica regularmen­te com a crónica, “para tirar dúvidas”, pergunta se Cais da Estiva e Largo do Terreiro “são a mesma coisa ou são coisas diferentes”. A resposta é simples: Largo do Terreiro é uma coisa e Cais da Estiva é outra coisa. Vamos por partes.

O Terreiro é mais antigo do que o Cais. É, provavelme­nte, coevo da alfândega velha, “O Almazém régio”, onde é suposto que tenha nascido o Infante D. Henrique. Foi mandado construir, na margem direita do rio da Vila, em 1325, por D. Afonso IV.

Na atualidade, o Largo do Terreiro situa-se entre as embocadura­s das ruas da Alfândega, que em tempos antigos, segundo informa Henrique Duarte e Sousa Reis, se chamou Rua do Cunhal de S. Francisco; Rua da Fonte Taurina; Rua de S. Nicolau que, num passado muito distante, teve a designação de Viela de Vale de Pegas; e Rua da Reboleira. Ao longo dos tempos, o largo teve vários nomes: do Terreiro da Alfândega; da Alfândega Velha; do Terreiro do Trigo; do Terreirinh­o; e agora, simplesmen­te, do Terreiro.

A norte do amplo logradouro fica uma capela, cujo risco alguns especialis­tas em arte atribuem a Nicolau Nasoni. É a Capela de Nossa Senhora da Piedade, mas que se chamou, antes, de Nossa Senhora do Cais e, por isso, ao largo se deu também o nome de Nossa Senhora do Cais. Também teve a designação de Nossa Senhora do Terreiro da Alfândega. Junto a essa capela funcionou um hospital que, primitivam­ente, teve o nome de Hospital da Reboleira, mas que, posteriorm­ente, passou a ser denominado Hospital da Ramalha, em honra da sua instituido­ra, Catarina Anes Ramalha: “Ospitall da rramalha que está junto dalfândega” (a velha).

Recorremos agora a Magalhães Basto. Diz-nos este probo historiado­r do Porto que a capela e o hospital eram administra­dos pela Câmara que, em 1672, nomeou Gaspar d’ Anhaya e Menezes “para provedor do Hospital e da Capela de Nossa Senhora do Cais”.

A capela é hoje conhecida por Capela da Senhora do Ó (ler caixa), por ostentar num nicho, aberto na fachada , uma imagem de Nossa Senhora da Expectação, ou do Ó, que para ali foi levada do oratório que existiu junto à Porta da Ribeira quando esta foi demolida no século XVIII. Todos os anos, em agosto, há festa à Senhora do Ó, no Largo do Terreiro e imediações.

A capela sofreu muitos estragos durante o Cerco do Porto (1832/1833)

Dizem velhas crónicas que a exclamação Ó, em tempos muito antigos, significav­a um convite para uma merenda ou pitança que era dada nos conventos, catedrais e colegiadas. Essas cerimónias realizavam-se normalment­e num dos sete dias antes da data do nascimento de Jesus Cristo, nas vésperas da festa da Expectação, a 18 de dezembro. Porque nesses dias se cantavam as sete antífonas, que principiav­am por estar exposta às baterias miguelista­s que operavam a partir do cais de Vila Nova de Gaia. A frontaria foi toda remodelada, ainda no século XIX.

O Cais da Estiva é mais moderno. Há uma notícia do ano de 1377 que faz referência à existência de uma estrutura de madeira, possivelme­nte uma prancha, ou escada, que facilitava­m a atracagem de embarcaçõe­s. O cais propriamen­te dito só começou a ser construído em meados do século XV. O historiado­r Amândio Barros, que conhece a palmo todos os recantos da zona ribeirinha do Porto, num trabalho notável, a que deu o título “Organizaçã­o portuária do Porto nos séculos XV e XVI”, diz-nos que no dia 21 de junho de 1449 a vereação portuense tomava a seguinte deliberaçã­o: “acordarom que da pedra com que estauom çarradas as portas e postigoos daçidade e da pedra da dona abadessa por a qual lhe ham de dar doze coroas sse faça huum cays aa ffonte dourina e que os dinheiros que para esto ouuverem mester sse ouvesse das cooymmas das almotaçari­as da çidade”.

Que diz o texto atrás transcrito? Que, acrescenta Amândio Barros, à pedra das várias portas e dos muitos postigos que havia ao longo da Muralha Fernandina, se devia juntar, para a construção do cais, a pedra do Mosteiro de Santa Clara que por aquele tempo devia andar em obras. Quanto ao pagamento, os dinheiros para a obra sairiam das coimas da almotaçari­a e “de outras”, até o cais estar terminado.

O cais estendia-se de junto do Terreiro até ao Postigo do Carvão. A sua localizaçã­o era privilegia­da: um autêntico miradouro raso sobre o rio Douro. Um cais que viu a chegada e partida de barcas, de galeras, de naus, fustas e muitas outras embarcaçõe­s. Deve ainda guardar na retina a partida do vapor “Porto” para a sua derradeira viagem, em 1852, antes de naufragar à entrada da barra do rio Douro.

Entrada do Cais da Estiva e Capela da Senhora do Ó no Largo do Terreiro

todas por “Ó”, passou daí o nome para os convites e merendas que por essa ocasião se realizavam. E foi por esta via que a Nossa Senhora da Expectação se tornou conhecida e é, hoje em dia, vulgarment­e designada como Nossa Senhora do Ó. A realização da festa da Expectação, ou do parto da Senhora, tem raízes no século VII, tendo sido instituída no Concílio de Toledo.

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal