Direita radical acelera nas europeias contra a imigração e o ambiente
Bloco de partidos antieuropeus ou eurocéticos deverá ultrapassar os socialistas e ficará muito próximo do centro-direita, acentuando a polarização e dificultando os consensos
ANÁLISE As sondagens são unânimes: os partidos da Direita radical (antieuropeus ou eurocéticos) terão um forte impulso nas eleições de 9 de junho e deverão passar a ser o segundo maior bloco político no Parlamento Europeu, ultrapassando os Socialistas e Democratas (de que faz parte o PS) e ameaçando até a liderança do Partido Popular Europeu (onde têm assento PSD e CDS).
As forças nacionalistas e populistas terão maior capacidade de condicionar decisões em áreas como a imigração e a proteção do ambiente, mas também a discussão sobre a revisão dos tratados.
As eleições de 2019 foram um primeiro sinal de polarização: a “grande coligação” entre socialistas (centro-esquerda) e populares (centro-direita) perdeu a maioria de deputados que detinha desde a fundação. Mas o crescimento das forças mais radicais à Direita não só não teve a dimensão anunciada, como acabou por ser contrariada pela subida dos verdes e dos liberais. Cinco anos depois, o cenário é diferente: verdes e liberais afundam-se nas sondagens (no conjunto, podem perder meia centena de deputados), enquanto os ultranacionalistas continuam em maré alta.
POPULISTAS NA FRENTE
Pedro Silva Pereira, eurodeputado do PS e vice-presidente do Parlamento Europeu, defende que o “risco maior” das eleições é que haja uma “alteração na relação de forças que tem permitido uma plataforma política informal pró-europeia que governou a União Europeia desde a sua fundação”. Ana Miguel dos Santos, eurodeputada do PSD, acrescenta o receio de que a extrema-direita, como ambos preferem designá-la, seja um fator de “desestabilização” capaz de gerar “irracionalidade” e maior “polarização”, quebrando “as hipóteses de consenso”.
Os principais agregadores de sondagens a nível europeu confirmam essa possibilidade: os partidos da Direita radical populista lideram as previsões de intenção de voto para as europeias em seis países (Itália, França, Países Baixos, Bélgica, Áustria, Hungria), seguem em segundo lugar noutros seis (Alemanha, Polónia, Suécia, Estónia, Letónia e Chéquia), e estão em terceiro em pelo menos mais três (Portugal, Espanha e Roménia).
De acordo com a “sondagem das sondagens” do jornal online “politico.eu”, deverão conseguir cerca de 159 lugares em Estrasburgo, mais do que o que se projeta para os socialistas (com um ligeiro avanço para 145) e quase a par do centro-direita (estima-se que o PPE terá 174 eleitos).
Silva Pereira, que não se recandidata, tem dúvidas sobre se, dentro de quatro semanas, “continuará a existir” uma maioria pró-europeia, mas sobretudo, se, existindo, “continuará a funcionar”, uma vez que “tem havido uma tentação do PPE, e mesmo dos liberais, para ceder à agenda da extrema-direita” em matéria de migrações e de proteção ambiental.
AS NUANCES DOS RADICAIS
Mas que Direita radical ou extrema é esta? Até que ponto é possível a união num conjunto tão díspar de partidos: uns antieuropeus, outros eurocéticos; uns nacionalistas, outros com matizes racistas e xenófobas; uns com raízes em partidos neofascistas ou neonazis, outros herdeiros do ultraconservadorismo cristão; uns integrados no sistema democrático, outros com simpatias autocráticas.
Como diz Ana Miguel Santos (que também não será recandidata ), os partidos de extrema-direita
“O que está em jogo nestas eleições é saber se a maioria parlamentar pró-europeia continuará a existir e, coisa diferente, se continuará a funcionar”
“Cada vez mais as decisões são tomadas com base na opinião pública. Se há forças que a conseguem agitar é mais fácil condicionar as instituições”
“parecem próximos, mas Meloni [a primeira-ministra italiana que será cabeça de lista pelos Irmãos de Itália] não é Le Pen [União Nacional, França]”. Estão, aliás, em grupos parlamentares diferentes. Prevê-se que a primeira será a líder da maior bancada nacional no grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), enquanto a segunda terá a maior bancada nacional no Identidade e Democracia (grupo de que farão parte os futuros eleitos do Chega).
No primeiro debate entre os vários candidatos à presidência da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a candidata do PPE, recusou claramente qualquer futuro entendimento com “os amigos de Putin”, mas abriu a porta ao grupo de Giorgia Meloni, ela própria completamente alinhada com a estratégia europeia de apoio à Ucrânia e condenação da Rússia, que von der Leyen decidiu ser a única linha vermelha que impediria colaborações futuras.
Haverá bastante a separar os partidos que se dividem pelos dois grupos parlamentares mais à Direita. Mas, em várias matérias, há consonância. Uma das mais evidentes é na retórica anti-imigração, traço comum a toda a Direita radical populista europeia, cujos dirigentes invocam com alguma frequência (incluindo André Ventura, do Chega) a “teoria da grande substituição”, que pressupõe que há um plano organizado para substituir os caucasianos europeus por povos de outras etnias.
RETÓRICA ANTI-IMIGRAÇÃO
“Este tema foi tomado pelos mais radicais, à Direita e à Esquerda”, aponta Ana Miguel dos Santos. O debate foi “deixado ao abandono pelos partidos moderados” e transformou-se numa “bandeira da extrema-direita, colocando-nos uns contra os outros, polarizando, criando o medo”, lamenta a eurodeputada social-democrata, que elogia o caminho feito pelo recente pacto para as migrações: “A União Europeia recuperou a legitimidade democrática para decidir quem entra ou não. Não se trata de escolher quem é melhor, mas é preciso garantir que são tratados com dignidade”.
Pedro Silva Pereira é bastante menos otimista e muito crítico do posicionamento recente dos antigos parceiros do centro-direita. Insiste na “contaminação da agenda” do Partido Popular Europeu pela extrema-direita e um dos exemplos que aponta é precisamente o das migrações. “O PPE adotou uma lógica securitária. Chegou a propor o financiamento europeu de muros e vedações nas fronteiras externas da União Europeia. E no seu manifesto para estas eleições preconiza para os refugiados uma solução do tipo da do Reino Unido, ou seja, a deportação forçada para países terceiros”.
EUROPA MENOS VERDE
Num artigo publicado no início deste ano pelo Conselho
Europeu de Relações Externas, em que se analisa o impacto do crescimento dos partidos de Direita radical, aponta-se mais um tema em que os especialistas antecipam dificuldades e até alguns recuos ao nível europeu: a política ambiental. A partir de junho “haverá uma coligação dominante contra as políticas de ação climática”, alertam, dando o exemplo da lei de restauração da natureza.
Esta peça do Acordo Verde Europeu, que impõe metas ao estados-membros, no sentido restaurar ambientalmente 20% do seus territórios e mares até 2030, 60% até 2040 e 90% até 2050, foi alvo de uma moção de rejeição pelo Partido Popular Europeu, que não foi aprovada por escassos 12 votos (324 votos contra a moção de rejeição, 312 a favor).
O CAMINHO DA MODERAÇÃO
Se há uma aproximação do centro-direita a alguns aspetos da agenda ultra (e cada vez mais governos nacionais que dependem de acordos parlamentares e até de governo entre estes dois atores), também há quem argumente que a Direita radical, ou pelo menos parte dela, também está a evoluir e até a moderar-se relativamente a posições do passado.
Marine Le Pen já não quer tirar a França do euro, Giorgia Meloni tornou-se adepta da NATO e não hesita no apoio à Ucrânia. Para citar Alain Minc, empresário e consultor de vários presidentes franceses, incluindo Emmanuel Macron, “estes partidos já fazem parte da paisagem”. Os próximos anos dirão se terão a força e o engenho para se tornarem a espécie dominante da democracia europeia ou se continuarão a ser vistos como uma erva daninha que é preciso combater.