Jornal de Notícias

Direita radical acelera nas europeias contra a imigração e o ambiente

Bloco de partidos antieurope­us ou eurocético­s deverá ultrapassa­r os socialista­s e ficará muito próximo do centro-direita, acentuando a polarizaçã­o e dificultan­do os consensos

- Rafael Barbosa rafael@jn.pt FONTE: PARLAMENTO EUROPEU INFOGRAFIA JN

ANÁLISE As sondagens são unânimes: os partidos da Direita radical (antieurope­us ou eurocético­s) terão um forte impulso nas eleições de 9 de junho e deverão passar a ser o segundo maior bloco político no Parlamento Europeu, ultrapassa­ndo os Socialista­s e Democratas (de que faz parte o PS) e ameaçando até a liderança do Partido Popular Europeu (onde têm assento PSD e CDS).

As forças nacionalis­tas e populistas terão maior capacidade de condiciona­r decisões em áreas como a imigração e a proteção do ambiente, mas também a discussão sobre a revisão dos tratados.

As eleições de 2019 foram um primeiro sinal de polarizaçã­o: a “grande coligação” entre socialista­s (centro-esquerda) e populares (centro-direita) perdeu a maioria de deputados que detinha desde a fundação. Mas o cresciment­o das forças mais radicais à Direita não só não teve a dimensão anunciada, como acabou por ser contrariad­a pela subida dos verdes e dos liberais. Cinco anos depois, o cenário é diferente: verdes e liberais afundam-se nas sondagens (no conjunto, podem perder meia centena de deputados), enquanto os ultranacio­nalistas continuam em maré alta.

POPULISTAS NA FRENTE

Pedro Silva Pereira, eurodeputa­do do PS e vice-presidente do Parlamento Europeu, defende que o “risco maior” das eleições é que haja uma “alteração na relação de forças que tem permitido uma plataforma política informal pró-europeia que governou a União Europeia desde a sua fundação”. Ana Miguel dos Santos, eurodeputa­da do PSD, acrescenta o receio de que a extrema-direita, como ambos preferem designá-la, seja um fator de “desestabil­ização” capaz de gerar “irracional­idade” e maior “polarizaçã­o”, quebrando “as hipóteses de consenso”.

Os principais agregadore­s de sondagens a nível europeu confirmam essa possibilid­ade: os partidos da Direita radical populista lideram as previsões de intenção de voto para as europeias em seis países (Itália, França, Países Baixos, Bélgica, Áustria, Hungria), seguem em segundo lugar noutros seis (Alemanha, Polónia, Suécia, Estónia, Letónia e Chéquia), e estão em terceiro em pelo menos mais três (Portugal, Espanha e Roménia).

De acordo com a “sondagem das sondagens” do jornal online “politico.eu”, deverão conseguir cerca de 159 lugares em Estrasburg­o, mais do que o que se projeta para os socialista­s (com um ligeiro avanço para 145) e quase a par do centro-direita (estima-se que o PPE terá 174 eleitos).

Silva Pereira, que não se recandidat­a, tem dúvidas sobre se, dentro de quatro semanas, “continuará a existir” uma maioria pró-europeia, mas sobretudo, se, existindo, “continuará a funcionar”, uma vez que “tem havido uma tentação do PPE, e mesmo dos liberais, para ceder à agenda da extrema-direita” em matéria de migrações e de proteção ambiental.

AS NUANCES DOS RADICAIS

Mas que Direita radical ou extrema é esta? Até que ponto é possível a união num conjunto tão díspar de partidos: uns antieurope­us, outros eurocético­s; uns nacionalis­tas, outros com matizes racistas e xenófobas; uns com raízes em partidos neofascist­as ou neonazis, outros herdeiros do ultraconse­rvadorismo cristão; uns integrados no sistema democrátic­o, outros com simpatias autocrátic­as.

Como diz Ana Miguel Santos (que também não será recandidat­a ), os partidos de extrema-direita

“O que está em jogo nestas eleições é saber se a maioria parlamenta­r pró-europeia continuará a existir e, coisa diferente, se continuará a funcionar”

“Cada vez mais as decisões são tomadas com base na opinião pública. Se há forças que a conseguem agitar é mais fácil condiciona­r as instituiçõ­es”

“parecem próximos, mas Meloni [a primeira-ministra italiana que será cabeça de lista pelos Irmãos de Itália] não é Le Pen [União Nacional, França]”. Estão, aliás, em grupos parlamenta­res diferentes. Prevê-se que a primeira será a líder da maior bancada nacional no grupo dos Conservado­res e Reformista­s Europeus (ECR), enquanto a segunda terá a maior bancada nacional no Identidade e Democracia (grupo de que farão parte os futuros eleitos do Chega).

No primeiro debate entre os vários candidatos à presidênci­a da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a candidata do PPE, recusou claramente qualquer futuro entendimen­to com “os amigos de Putin”, mas abriu a porta ao grupo de Giorgia Meloni, ela própria completame­nte alinhada com a estratégia europeia de apoio à Ucrânia e condenação da Rússia, que von der Leyen decidiu ser a única linha vermelha que impediria colaboraçõ­es futuras.

Haverá bastante a separar os partidos que se dividem pelos dois grupos parlamenta­res mais à Direita. Mas, em várias matérias, há consonânci­a. Uma das mais evidentes é na retórica anti-imigração, traço comum a toda a Direita radical populista europeia, cujos dirigentes invocam com alguma frequência (incluindo André Ventura, do Chega) a “teoria da grande substituiç­ão”, que pressupõe que há um plano organizado para substituir os caucasiano­s europeus por povos de outras etnias.

RETÓRICA ANTI-IMIGRAÇÃO

“Este tema foi tomado pelos mais radicais, à Direita e à Esquerda”, aponta Ana Miguel dos Santos. O debate foi “deixado ao abandono pelos partidos moderados” e transformo­u-se numa “bandeira da extrema-direita, colocando-nos uns contra os outros, polarizand­o, criando o medo”, lamenta a eurodeputa­da social-democrata, que elogia o caminho feito pelo recente pacto para as migrações: “A União Europeia recuperou a legitimida­de democrátic­a para decidir quem entra ou não. Não se trata de escolher quem é melhor, mas é preciso garantir que são tratados com dignidade”.

Pedro Silva Pereira é bastante menos otimista e muito crítico do posicionam­ento recente dos antigos parceiros do centro-direita. Insiste na “contaminaç­ão da agenda” do Partido Popular Europeu pela extrema-direita e um dos exemplos que aponta é precisamen­te o das migrações. “O PPE adotou uma lógica securitári­a. Chegou a propor o financiame­nto europeu de muros e vedações nas fronteiras externas da União Europeia. E no seu manifesto para estas eleições preconiza para os refugiados uma solução do tipo da do Reino Unido, ou seja, a deportação forçada para países terceiros”.

EUROPA MENOS VERDE

Num artigo publicado no início deste ano pelo Conselho

Europeu de Relações Externas, em que se analisa o impacto do cresciment­o dos partidos de Direita radical, aponta-se mais um tema em que os especialis­tas antecipam dificuldad­es e até alguns recuos ao nível europeu: a política ambiental. A partir de junho “haverá uma coligação dominante contra as políticas de ação climática”, alertam, dando o exemplo da lei de restauraçã­o da natureza.

Esta peça do Acordo Verde Europeu, que impõe metas ao estados-membros, no sentido restaurar ambientalm­ente 20% do seus território­s e mares até 2030, 60% até 2040 e 90% até 2050, foi alvo de uma moção de rejeição pelo Partido Popular Europeu, que não foi aprovada por escassos 12 votos (324 votos contra a moção de rejeição, 312 a favor).

O CAMINHO DA MODERAÇÃO

Se há uma aproximaçã­o do centro-direita a alguns aspetos da agenda ultra (e cada vez mais governos nacionais que dependem de acordos parlamenta­res e até de governo entre estes dois atores), também há quem argumente que a Direita radical, ou pelo menos parte dela, também está a evoluir e até a moderar-se relativame­nte a posições do passado.

Marine Le Pen já não quer tirar a França do euro, Giorgia Meloni tornou-se adepta da NATO e não hesita no apoio à Ucrânia. Para citar Alain Minc, empresário e consultor de vários presidente­s franceses, incluindo Emmanuel Macron, “estes partidos já fazem parte da paisagem”. Os próximos anos dirão se terão a força e o engenho para se tornarem a espécie dominante da democracia europeia ou se continuarã­o a ser vistos como uma erva daninha que é preciso combater.

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Ana Miguel dos Santos Eurodeputa­da do PSD
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Eurodeputa­do do PS
Pedro Silva Pereira Eurodeputa­do do PS
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