Destruir a reputação de um indesejável
“Kompromat”, de Jérôme Salle, lida com as manobras dos serviços secretos russos
Espécie de “processo” kafkiano passado nos confins da Sibéria, “Kompromat”, de Jérôme Salle, denota a mudança no olhar ocidental sobre a Rússia de Putin. Um olhar feito de desconfiança e temor, sobretudo depois da invasão da Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022. Inspirado em factos reais ocorridos em 2015, o filme segue o pesadelo de Mathieu Roussel (Gilles Lellouche), diretor da Alliance Française) em Irkutsk, ao tornar-se vítima de uma campanha persecutória movida pelos serviços secretos russos, o FSB.
Se foi pela apresentação de uma performance que envolve a dança apaixonada entre dois homens, ou por qualquer outro motivo, parece pouco importante. Subitamente, Mathieu é alvo de um “kompromat”, ou “material comprometedor” que é compilado para lhe destruir a reputação. Trata-se de uma estratégia enraizada na cultura política russa, que remonta ao tempo de Estaline e do KGB. A um adversário político ou a alguém incómodo, associa-se um conjunto de elementos fabricados, geralmente de cariz sexual, com o intuito de o desacreditar ou chantagear. A Mathieu plantam-lhe imagens de pornografia infantil no computador e acusam-no de abusar da própria filha.
Isolado perante o mecanismo estatal russo – a Embaixada francesa enreda-se em pruridos diplomáticos e não consegue ajudá-lo –, Mathieu é aconselhado pelo advogado a tentar a fuga, pois enfrenta uma sentença de 10 a 15 anos na prisão. O único auxílio vem de Svetlana (Joanna Kulig), que sabe o que a casa gasta no seu país e o tenta levar até à fronteira com a Estónia.
Não sendo brilhante, “Kompromat” é no entanto um thriller político tenso e eficaz, que glosa o tema clássico da impotência do indivíduo face ao poder do Estado. E que aborda as facetas escuras de um país que foi implacavelmente descrito pelo historiador Sergei Medvedev em “O regresso do leviatã russo”.
“Kompromat” TVCINE 2022