A contundência gentil dos Justice
“Hyperdrama” documenta a encruzilhada sónica da dupla francesa de eletrónica
É um disco dual, quase antagónico, aquele que os Justice levaram oito anos a construir e que sucede a “Woman” (2016). Carrega o maximalismo do álbum de estreia, “Cross” (2007), onde o vídeo de um dos temas fazia explodir as tintas da visão crua de Mathieu Kassovitz sobre a violência nos subúrbios franceses em “O ódio” (1995). Mas é também um trabalho de ambientes e de requintes, sustentado pelas colaborações ilustres de Tame Impala, Thundercat ou Miguel.
“O disco funk e a eletrónica sempre estiveram no cerne da nossa música. Em ‘Hyperdrama’ eles coexistem, mas não de uma maneira pacífica. Gostamos da ideia de que lutem entre si para chamar a atenção”, escreveu a banda francesa de Gaspard Augé e Xavier de Rosnay. É desse duelo que vivem as mudanças de faixa em “Hyperdrama”. Mas às vezes o combate dá-se no interior da mesma canção, como em “The end”, que se inicia com eletricidade tensa e depois se dilui numa paisagem
cálida comandada pelo groove de Thundercat. Mas a tensão está sempre à espreita.
O mais próximo de “Cross”, naquela rajada distorcida que faz ver cidades neuróticas e ameaçadoras, encontra-se em “Generator”, que até talvez ultrapasse a virulência dos primeiros anos. É um “Hoover sound” (som de aspirador) que revisita o seminal “Mentasm”, de Joey Beltram, tema de 91 que lança as bases de eletrónicas extremas como o hardcore tecno ou o gabber. No vídeo, dois ciborgues praticam sexo selvagem.
Mas há também momentos espetrais como “Aftertimage”, onde a voz líquida de Rimon, cantora da Eritreia, se aloja no que parece ser a memória de uma pista de dança. Ou o delicadíssimo “Moonlight rendez-vous”, lounge nostálgico guiado por saxofone. “Hyperdrama” é uma encruzilhada: o apelo do passado ainda pesa, até porque o dominam agora como nunca, mas há uma curiosidade irreprimível por novos caminhos.
“Hyperdrama”
JUSTICE BANGER RECORDS, 2024