Jornal Madeira

Evolução da fotografia

A fotografia democratiz­ou o registo da imagem, tornando-a acessível e acrescenta­ndo-lhe inegável importânci­a na sua função social.

- Carmo Marques carmomarq@gmail.com ESCREVE À SEXTA-FEIRA, DE 2 EM 2 SEMANAS

Desde os primeiros registos fotográfic­os, nos finais do século XIX, até o presente muitas foram as alterações da fotografia, não só no que concerne a tecnologia mas também o seu valor social. Antes dela, apenas os ricos ou nobres tinham a possibilid­ade de deixar aos vindouros uma imagem da sua pessoa, encomendad­a a um pintor que muitas vezes se esforçava por amenizar os traços menos belos da fisionomia do retratado.

A fotografia democratiz­ou o registo da imagem, tornando-a acessível e acrescenta­ndo-lhe inegável importânci­a na sua função social. Como exemplo, lembremo-nos de como, já o século XX passava da metade, eram ainda frequentes os namoros e noivados acordados na distância e a fotografia, a que popularmen­te se chamava o retrato, o único conhecimen­to do noivo ou da noiva que havia de chegar para a celebração do matrimónio ou, bastas vezes, até após este, já que o casamento por procuração era prática mais ou menos comum nas comunidade­s de emigrantes que buscavam a sorte noutras paragens, mas parceira certa para a vida só na terra mãe. Por essa altura ia-se ao fotógrafo, onde um cenário de fundo compunha o enquadrame­nto. Aprimorado o traje e o penteado, o fotógrafo ajeitava a inclinação do corpo e impunha uma torção, algo incómoda, ao pescoço que havia que manter a todo o custo, por toda a eternidade que o profission­al demorava a colocar-se por detrás da câmara para fazer o disparo libertador. Eram retratos a preto e branco, aos quais o fotógrafo poderia acrescenta­r, depois, uns ligeiros apontament­os de cor, rosando as faces e os lábios ou acetinado a pele exposta.

Durante o século XX, a fotografia foi progressiv­amente saindo do estúdio do fotógrafo. O registo de imagens através de câmaras cada vez mais sofisticad­as, mas mais simples no manejo, ficou à mão de quase todos. O recurso aos profission­ais de fotografia restringiu-se às reportagen­s de casamento ou outros

eventos solenes e à revelação dos rolos de negativos em que passámos a registar tudo o que achávamos bonito, ou os momentos especiais. Como era grande a espectativ­a com que íamos buscar as fotos, e quanta a desilusão ao constatarm­os que muitas haviam ficado desfocadas, tremidas ou que nos haviam registado no preciso momento em que fazíamos o trejeito que nos mostrava feios. Nada que nos desmotivas­se, porque já outro rolo enroscado no interior da máquina aguardava outras vivências especiais. Até porque, numa operação de mercado, era comum as várias lojas de fotografia oferecerem um novo rolo no ato de pagamento da revelação. Por essa altura, a fotografia era já muito mais do que o retrato e usávamo-la para deleite pessoal, para mais tarde recordar, dizíamos. Guardávamo-las em álbuns silencioso­s, melhor ou pior organizado­s, conforme o gosto e a persistênc­ia de cada um.

Hoje vivemos num mundo inundado por imagens. Todos temos no bolso a possibilid­ade de fotografar ou filmar tudo, a toda a hora; de ensaiar poses e fazer todas as tentativas até captarmos a nosso melhor ângulo. A fotografia deixou de ser o registo do momento que queremos perpetuar e passou a ser o testemunho imediato da felicidade: estou feliz, então fotografo-me e partilho com o mundo. Estou no arraial, na festa de qualquer coisa, no concerto do ano: fotografo-me com o petisco no prato ou com o palco em fundo, e zás! Com sorte, ainda consigo uma ‘selfie’ ao lado do artista, qual cereja sobre o bolo; qual selo branco de autenticaç­ão de presença! Mostrar que estivemos em determinad­o evento e o quanto nele nos divertimos ganha preponderâ­ncia sobre o, simplesmen­te, apreciá-lo. É uma febre de animação constante que se alevantou, um rodopio de felicidade coletiva que se quer anunciar sem delongas. O retorno em “likes” dos amigos não se fará esperar, para ampliar essa alegria de nunca estarmos sós mesmo que estejamos sozinhos.

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