Evolução da fotografia
A fotografia democratizou o registo da imagem, tornando-a acessível e acrescentando-lhe inegável importância na sua função social.
Desde os primeiros registos fotográficos, nos finais do século XIX, até o presente muitas foram as alterações da fotografia, não só no que concerne a tecnologia mas também o seu valor social. Antes dela, apenas os ricos ou nobres tinham a possibilidade de deixar aos vindouros uma imagem da sua pessoa, encomendada a um pintor que muitas vezes se esforçava por amenizar os traços menos belos da fisionomia do retratado.
A fotografia democratizou o registo da imagem, tornando-a acessível e acrescentando-lhe inegável importância na sua função social. Como exemplo, lembremo-nos de como, já o século XX passava da metade, eram ainda frequentes os namoros e noivados acordados na distância e a fotografia, a que popularmente se chamava o retrato, o único conhecimento do noivo ou da noiva que havia de chegar para a celebração do matrimónio ou, bastas vezes, até após este, já que o casamento por procuração era prática mais ou menos comum nas comunidades de emigrantes que buscavam a sorte noutras paragens, mas parceira certa para a vida só na terra mãe. Por essa altura ia-se ao fotógrafo, onde um cenário de fundo compunha o enquadramento. Aprimorado o traje e o penteado, o fotógrafo ajeitava a inclinação do corpo e impunha uma torção, algo incómoda, ao pescoço que havia que manter a todo o custo, por toda a eternidade que o profissional demorava a colocar-se por detrás da câmara para fazer o disparo libertador. Eram retratos a preto e branco, aos quais o fotógrafo poderia acrescentar, depois, uns ligeiros apontamentos de cor, rosando as faces e os lábios ou acetinado a pele exposta.
Durante o século XX, a fotografia foi progressivamente saindo do estúdio do fotógrafo. O registo de imagens através de câmaras cada vez mais sofisticadas, mas mais simples no manejo, ficou à mão de quase todos. O recurso aos profissionais de fotografia restringiu-se às reportagens de casamento ou outros
eventos solenes e à revelação dos rolos de negativos em que passámos a registar tudo o que achávamos bonito, ou os momentos especiais. Como era grande a espectativa com que íamos buscar as fotos, e quanta a desilusão ao constatarmos que muitas haviam ficado desfocadas, tremidas ou que nos haviam registado no preciso momento em que fazíamos o trejeito que nos mostrava feios. Nada que nos desmotivasse, porque já outro rolo enroscado no interior da máquina aguardava outras vivências especiais. Até porque, numa operação de mercado, era comum as várias lojas de fotografia oferecerem um novo rolo no ato de pagamento da revelação. Por essa altura, a fotografia era já muito mais do que o retrato e usávamo-la para deleite pessoal, para mais tarde recordar, dizíamos. Guardávamo-las em álbuns silenciosos, melhor ou pior organizados, conforme o gosto e a persistência de cada um.
Hoje vivemos num mundo inundado por imagens. Todos temos no bolso a possibilidade de fotografar ou filmar tudo, a toda a hora; de ensaiar poses e fazer todas as tentativas até captarmos a nosso melhor ângulo. A fotografia deixou de ser o registo do momento que queremos perpetuar e passou a ser o testemunho imediato da felicidade: estou feliz, então fotografo-me e partilho com o mundo. Estou no arraial, na festa de qualquer coisa, no concerto do ano: fotografo-me com o petisco no prato ou com o palco em fundo, e zás! Com sorte, ainda consigo uma ‘selfie’ ao lado do artista, qual cereja sobre o bolo; qual selo branco de autenticação de presença! Mostrar que estivemos em determinado evento e o quanto nele nos divertimos ganha preponderância sobre o, simplesmente, apreciá-lo. É uma febre de animação constante que se alevantou, um rodopio de felicidade coletiva que se quer anunciar sem delongas. O retorno em “likes” dos amigos não se fará esperar, para ampliar essa alegria de nunca estarmos sós mesmo que estejamos sozinhos.