Jornal Madeira

No tempo das diferenças

- Octaviano Correia octavianoc­orreia@gmail.com ESCREVE À SEXTA-FEIRA, TODAS AS SEMANAS

Hoje chegou até mim uma notícia, dando conta do facto de, numa qualquer escola americana, uma criança foi impedida de frequentar a dita escola por ser autista. Perante isto veio-me à ideia um outro tempo, de quando eu era miúdo e as diferenças eram razões suficiente­s para impedir as crianças de frequentar as escolas. Diferenças que podiam ser de cor, sociais ou físicas.

No meu tempo, quando eu era miúdo, nas escolas não havia meninos “diferentes”. Nem na minha escola, nem em escola nenhuma. É que nesse tempo os meninos diferentes não iam à escola. Não era que não pudessem, o que acontecia é que a escola não os queria lá. Diziam que os meninos diferentes não aprendiam a escrever. Não aprendiam a ler, não aprendiam a desenhar nem sequer o seu nome. Diziam que não aprendiam a fazer contas, mesmo aquelas pequeninas de somar. Os meninos diferentes, diziam, não aprendiam a responder, a falar e muito menos aprendiam a perguntar o que quer que fosse. Eles não precisavam de perguntar porque não conseguiam perceber as respostas. Os meninos diferentes

precisavam de ser acompanhad­os. Cuidados. Vigiados. Protegidos. Eles, diziam as pessoas e até os governos, não poderiam, nunca, fazer aquilo que os meninos diferentes deles faziam.

Mas isso foi naquele tempo, há muito tempo, quando eu era miúdo e andava na escola, e andava na escola porque tive a felicidade de não nascer diferente. Pelo menos diferente da maneira como as pessoas desse tempo, entendiam isso.

Os meninos diferentes desse tempo não brincavam com os outros meninos diferentes deles. Não jogavam à bola, nem sabiam o que era um peão, um livro. Os meninos diferentes nunca aprendiam a andar porque ninguém lhes ensinava. Eles não precisavam de andar. Ficavam em casa e pronto. Sentados. Quietos, olhando para lugar nenhum.

Mas hoje o tempo já não é como o tempo da minha infância. Agora os meninos diferentes vão à escola. Mesmo que não aprendam a fazer contas nem a escrever o nome. Mesmo que não joguem à bola com os outros meninos, nem tenham cadernos para escrever ou para desenhar. Eles vão à escola, vão à praia, aprendem a jogar jogos que muitos meninos diferentes deles nem conseguem jogar. Hoje, os meninos diferentes aprendem a sorrir, aprendem que os outros meninos diferentes deles também não sabem fazer muita coisa. Não conseguem fazer muita coisa. Os meninos diferentes hoje aprenderam a sorrir e a viver com os outros meninos que aprenderam a olhar para eles como meninos diferentes, mas meninos que têm o direito de estar nos mesmos locais onde eles estão, onde eles brincam, onde eles aprendem.

Hoje os tempos mudaram, Ou, pelo menos, estão a mudar embora ainda há quem tenha ficado lá para trás. Nos meus tempos de miúdo. Em que diferença era sinónimo de discrimina­ção. Quase de uma patologia.

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