A importância da Literacia Financeira
Em meados de 2018, aceitei o desafio de dar formação em literacia financeira, tendo como principais destinatários os utentes dos centros comunitários que servem os bairros sociais da nossa capital (sob responsabilidade camarária ou da empresa municipal Sociohabitafunchal).
Num ápice, já se passou quase um ano, o que me sugeriu uma reflexão sobre este assunto.
Apesar de também me debruçar sobre outros temas, com públicos-alvo diversificados (em escolas, por exemplo), uma fatia significativa da minha actuação tem sido junto da população mais idosa e carenciada, precisamente nos bairros sociais a que aludi.
Quando comecei, pouco mais conhecia destes bairros do que os respectivos nomes e a alegada má fama de problemáticos que lhes está associada. A minha opinião sobre a generalidade dos moradores destes bairros era, confesso-o, baseada em preconceitos e lugares-comuns, com a espessura argumentativa de uma conversa de café.
Contudo, a realidade mostrou-se-me bem diferente, para o bem e para o mal.
Neste espaço de tempo, tive oportunidade de conhecê-los por dentro, não só os bairros, mas principalmente os seus moradores, bem como as pessoas que trabalham nos centros comunitários (com inexcedível dedicação, nunca é demais referi-lo).
Seria uma estultícia arrogarme em especialista na matéria, quando tenho para apresentar cerca de uma dúzia de meses no terreno. Foi quanto bastou, porém, para que tenha identificado uma série de questões, que a meu ver merecem resposta adequada.
Ao ministrar formação sobre literacia financeira, abordo um vasto leque de áreas, que vão desde a elaboração e gestão de um orçamento familiar às dicas de poupança, passando pelos direitos e deveres do consumidor, relação bancária e apoios sociais, entre outros.
Para além da parte formativa,
passei a desenvolver uma componente de consulta e aconselhamento individual. Sempre que solicitado, procuro auxiliar os utentes a encontrar soluções para as suas pequenas, médias e grandes dificuldades e problemas.
O que tenho constatado é que o nível de iliteracia é assustador. São inúmeras as pessoas que não beneficiam de apoios que são, não nos esqueçamos, direitos que lhes assistem, por absoluto e total desconhecimento. Mesmo quando conhecedoras de um determinado apoio ou benefício, não possuem ferramentas para interpretar regulamentos, para desencadear processos, nem sequer para juntar a documentação necessária ou reclamar quando mal atendidas. Do outro lado, encontram por vezes funcionários sem tempo nem vontade para as orientar da melhor forma, ou até mesmo com manifesta má-fé. A título de exemplo, é enorme a dificuldade em abrir ou converter uma conta bancária em conta de Serviços Mínimos, obrigatória em todas as instituições de crédito e com um custo máximo anual de €4,35.
Quer a DECO quer o programa “Contas-poupança” (SIC Notícias) têm insistido muito neste tema, com exactamente o mesmo tipo de “feedback”: ao desconhecimento de muitos aliase a obstaculização desnecessária e teimosa de outros.
No caso dos bairros sociais, os níveis de iliteracia financeira são muito mais preocupantes, pelo que seria fundamental que se investisse em mais e melhor formação e informação. Além disso, seria importante uma maior proximidade e profundidade no apoio aos cidadãos, quer através das juntas de freguesia, quer por via duma crescente descentralização dos serviços. Equipas itinerantes de informação e apoio, por exemplo, para além de retirarem pressão aos tradicionais postos de atendimento, permitiriam um tratamento mais casuístico e cuidado, precisamente junto daqueles que mais precisam. Fica a sugestão.