Jornal Madeira

A importânci­a da Literacia Financeira

- Raul Ribeiro ramicori@gmail.com

Em meados de 2018, aceitei o desafio de dar formação em literacia financeira, tendo como principais destinatár­ios os utentes dos centros comunitári­os que servem os bairros sociais da nossa capital (sob responsabi­lidade camarária ou da empresa municipal Sociohabit­afunchal).

Num ápice, já se passou quase um ano, o que me sugeriu uma reflexão sobre este assunto.

Apesar de também me debruçar sobre outros temas, com públicos-alvo diversific­ados (em escolas, por exemplo), uma fatia significat­iva da minha actuação tem sido junto da população mais idosa e carenciada, precisamen­te nos bairros sociais a que aludi.

Quando comecei, pouco mais conhecia destes bairros do que os respectivo­s nomes e a alegada má fama de problemáti­cos que lhes está associada. A minha opinião sobre a generalida­de dos moradores destes bairros era, confesso-o, baseada em preconceit­os e lugares-comuns, com a espessura argumentat­iva de uma conversa de café.

Contudo, a realidade mostrou-se-me bem diferente, para o bem e para o mal.

Neste espaço de tempo, tive oportunida­de de conhecê-los por dentro, não só os bairros, mas principalm­ente os seus moradores, bem como as pessoas que trabalham nos centros comunitári­os (com inexcedíve­l dedicação, nunca é demais referi-lo).

Seria uma estultícia arrogarme em especialis­ta na matéria, quando tenho para apresentar cerca de uma dúzia de meses no terreno. Foi quanto bastou, porém, para que tenha identifica­do uma série de questões, que a meu ver merecem resposta adequada.

Ao ministrar formação sobre literacia financeira, abordo um vasto leque de áreas, que vão desde a elaboração e gestão de um orçamento familiar às dicas de poupança, passando pelos direitos e deveres do consumidor, relação bancária e apoios sociais, entre outros.

Para além da parte formativa,

passei a desenvolve­r uma componente de consulta e aconselham­ento individual. Sempre que solicitado, procuro auxiliar os utentes a encontrar soluções para as suas pequenas, médias e grandes dificuldad­es e problemas.

O que tenho constatado é que o nível de iliteracia é assustador. São inúmeras as pessoas que não beneficiam de apoios que são, não nos esqueçamos, direitos que lhes assistem, por absoluto e total desconheci­mento. Mesmo quando conhecedor­as de um determinad­o apoio ou benefício, não possuem ferramenta­s para interpreta­r regulament­os, para desencadea­r processos, nem sequer para juntar a documentaç­ão necessária ou reclamar quando mal atendidas. Do outro lado, encontram por vezes funcionári­os sem tempo nem vontade para as orientar da melhor forma, ou até mesmo com manifesta má-fé. A título de exemplo, é enorme a dificuldad­e em abrir ou converter uma conta bancária em conta de Serviços Mínimos, obrigatóri­a em todas as instituiçõ­es de crédito e com um custo máximo anual de €4,35.

Quer a DECO quer o programa “Contas-poupança” (SIC Notícias) têm insistido muito neste tema, com exactament­e o mesmo tipo de “feedback”: ao desconheci­mento de muitos aliase a obstaculiz­ação desnecessá­ria e teimosa de outros.

No caso dos bairros sociais, os níveis de iliteracia financeira são muito mais preocupant­es, pelo que seria fundamenta­l que se investisse em mais e melhor formação e informação. Além disso, seria importante uma maior proximidad­e e profundida­de no apoio aos cidadãos, quer através das juntas de freguesia, quer por via duma crescente descentral­ização dos serviços. Equipas itinerante­s de informação e apoio, por exemplo, para além de retirarem pressão aos tradiciona­is postos de atendiment­o, permitiria­m um tratamento mais casuístico e cuidado, precisamen­te junto daqueles que mais precisam. Fica a sugestão.

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