Cultura deve ajudar a “refletir, não a dar soluções”
Arte não tem que ser didática, diz encenador e ator Álvaro Correia
Aarte e a cultura devem ajudar “a perceber que há outras possibilidades, não dar soluções, mas dar possibilidades e obrigar a refletir”, afirmou, ontem, ao JM o encenador e ator Álvaro Correia, que está na Madeira para participar em duas peças da Rede Eunice, as últimas desta temporada.
“Eu não acho nada que a arte tenha que ser didática, tem é que estimular, tem que apontar as coisas que não estão bem ou quais são as possibilidades que temos para refletir sobre as situações em que estamos”, frisou.
“E isso tanto pode ser com um texto contemporâneo, como um texto dos gregos ou um texto mais antigo”, disse, referindo-se aos espetáculos que integra, ‘Frei Luís de Sousa’, hoje, às 21 horas, e ‘Quarto Minguante’, dia 21 de junho, às mesmas horas, ambos no Teatro Municipal Baltazar Dias.
Um facto curioso, apontou-nos, é que regressa à Madeira mais de 20 anos depois de ter estado cá com o Teatro da Comuna em 1995, 1996, mas com um desafio ‘triplo’: ser encenador e ator duas vezes.
Isso porque Álvaro Correia encena a peça ‘Quarto Minguante’, mas, no Funchal, também substituirá o ator José Neves nesta peça, com a personagem ‘Vicente’, que acumula com outro papel no ‘Frei Luís de Sousa’.
Três funções distintas que considera conseguir conciliar, na medida em que as peças são completamente diferentes. “É complicado, porque tive de estar a decorar um texto – do personagem de José Neves, ‘Vicente’ - e a ver se não me baralho com o outro, mas felizmente, não, porque são linguagens e universos muito diferentes”.
Já quanto a ‘Quarto Minguante’, que coloca em cena “sete personagens em situações muito diferentes, mas unidos pelo mesmo impasse: não estão bem, e nem por isso fazem algo por mudar”, revelou que isso acontece porque “temem que o novo seja ainda pior”.
Baseado num texto de Joana Bértholo, que o escreveu “quando estava a fazer o curso de Dramaturgia, no Teatro Nacional, durante a vigência da ‘troika’, com o governo de Passos de Coelho”, “é muito particular, porque não dá soluções”, adiantou o nosso interlocutor.
“Eu acho que, ali, a conclusão é que há uma leve esperança nas gerações mais novas, refletidas na personagem ‘Jeremias’, que é feita pelo Sílvio Vieira, e é aquela que se recusa a manter-se naquela apatia daquela reprodução, daquilo que os mais velhos já fazem”, apontou.
Nessa ordem de ideias, Álvaro Correia considerou que “não devemos dar lições às pessoas, devemos é dizer, ‘isto passa-se assim, como é que eu posso atuar sobre’. E, nesse aspeto, o texto da Joana é muito particular, porque não dá soluções. Ela apresenta as coisas, mostra-nos uma espécie de sistema em que aquelas personagens funcionam. E exige muito do público, porque tem a ver com uma ideia de repetição e há muitas coisas a acontecerem ao mesmo tempo”.
REDE É “INICIATIVA ÓTIMA”
O encenador, que apresenta no Funchal os dois últimos espetáculos desta temporada da Rede Eunice, classificou esta como “uma iniciativa ótima. Para nós, artistas, o que nos interessa é não ficar só no sítio onde é apresentado, em Lisboa, e há tantos espaços pelo país, que é pena não podermos apresentar os espetáculos nesses sítios”.
Também acho que é importante que o Teatro Nacional promova a dramaturgia portuguesa e a nova dramaturgia portuguesa, e não há outra forma de a desenvolver, senão testando os textos que vão sendo construídos”, relevou.