Jornal Madeira

Uma fotografia

- Cláudia Faria Investigad­ora

Há dias, estava eu já a trabalhar, quando me chega uma fotografia, via Facebook. A Ana, uma das minhas tias paternas, embrenhada nos trabalhos domésticos, não resistiu e fotografou uma moldura lá de casa. Esta coisa de andar, há alguns anos, a vasculhar o passado, tipo arqueóloga da memória, tem influencia­do, de uma maneira ou doutra, aqueles que me são mais próximos. Mas o que tinha esta foto de especial? Pois bem, além de estarmos todos, ou seja, os meus tios, os meus primos e eu, em plenas férias na Costa da Caparica, o flash foi imediato e lembrei-me daquele mês de Agosto, em que percorremo­s a costa, numa caravana de onde eu e os meus primos, imaginando que atravessáv­amos a Europa, mal saíamos, resistindo, estoicamen­te, ao calor tórrido e sufocante. Na verdade, nem a melhor praia de areia nem sequer um churrasco suculento nos fazia abandonar aquele veículo. Estávamos fascinados, completame­nte rendidos aos beliches-sofás, à televisão que se escondia por detrás de armários em miniatura, à mesa e cadeiras que surgiam em passos de magia e até às cortinas às riscas verdes e laranja, ainda que já queimadas pelo sol.

Dessas férias trago ainda na lembrança as noites varadas a jogar ao casino e às copas, nós os quatro e às vezes os primos mais velhos, devorando amendoins e caramelos que o tio António trazia de bordo. Enquanto para os miúdos havia Coca-cola no frigorífic­o, os graúdos tinham direito a servir-se do bar do salão, onde o whisky imperava. É claro que além

Ela jura que não se lembra desta reiterada extorsão. Acho que as tias são mesmo assim, um pouco esquecidas.

das brigas dos maus perdedores interrompe­rem, volta e meia, o jogo, por vezes, uma súbita indisposiç­ão ou até um ligeiro estonteame­nto, faziam parar a jogatina, e era eu, que acautelava o bloco com os pontos de cada equipa, ficando a desforra agendada para o dia seguinte. Porém, uma das minhas melhores recordaçõe­s dessas férias são os sapatos verdes da minha tia Ana, comprados na antiga Sapataria Charles e que eu lhe roubava uma e outra vez. Bastava o tio avisar que íamos comer fora ou passear e lá eu trocava os meus sapatos de iate pelos sapatos verdes de salto alto da minha tia Ana. Ela jura que não se lembra desta reiterada extorsão. Acho que as tias são mesmo assim, um pouco esquecidas.

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