A TV que (não) queremos ver
Atelevisão tornou-se presença usual nas nossas casas. De tal forma a ela estamos habituados que as caras que vemos no ecrã são como se fossem as de conhecidos próximos e até nos alegramos ou entristecemos com acontecimentos das suas vidas privadas. Disso vivem, aliás, umas quantas revistas que detalham os seus momentos de encontros e desencontros, alguns, como depois se descobre, não passam de invenções abusivas. Mas não é deste tipo de abuso que me proponho falar. O abuso que hoje refiro é aquele que a própria TV exerce sobre nós ao forçar-nos a ver o que não queremos.
Pessoalmente, abomino a violência e, para além daquela que nos chega da vida real através dos noticiários, recuso-me a assistir a seja o que for, onde ela esteja representada de forma preponderante: filmes, novelas, séries, concursos estúpidos em que os concorrentes são brutalizados com choques elétricos, banhos de farinha, águas repelentes, etc. Dir-me-ão que pouco me restará para ver e talvez tenham razão. Contudo, é uma opção pessoal. Estarei por certo pouco acompanhada nesta atitude, pois a maioria das pessoas parece apreciar esse tipo de conteúdo. A comprová-lo temos o sucesso que obtêm filmes, séries e livros que incluam muitas cenas de carnificina, massacres, tortura, enfim, agressões físicas e psicológicas de todo o tipo. Nunca entendi o porquê deste gosto dos humanos. Assistir ao sofrimento de outrem, mesmo que em ficção, é-me incómodo. Sei que a violência faz parte da história da humanidade e, apesar de alguns progressos ela continua a existir e a florescer, onde e quando menos se espera, aqui mesmo entre nós que temos a sorte de habitar um canto do mundo sem guerra nem totalitarismos exacerbados. E no entanto, todos os dias nos chegam relatos de agressões entre indivíduos de todas as idades e preocupa-nos em especial as que se registam entre jovens e crianças. À porta das escolas pais e alunos, reclamam a presença de funcionários que vigiem os meninos que parece já não saberem brincar juntos de forma amistosa ou resolver os seus naturais pequenos conflitos com um amuo, uma sessão de cochichos carregados de maledicência ou numa breve escaramuça que logo tudo sanavam.
Sendo tão presente, a televisão tornou-se um veículo excelente para informar, incutir hábitos e influenciar comportamentos. Conscientes disso, ou temendo apenas a reprovação de alguns sectores da sociedade, os canais agendam as transmissões dos programas de conteúdos mais violentos para horas tardias para poupar as crianças ao seu visionamento, dizem. Coisa que me soa como mais uma hipocrisia da nossa sociedade, porque nos dias que antecedem a sua transmissão, o programa vai sendo anunciado de manhã até à noite, com um ramalhete de imagens selecionadas para atrair os telespetadores, inevitavelmente suculentas em caras esmurradas, perseguições, tiros, facadas e outros requintes de malvadez repetidos vezes sem conta nos intervalos de todos os restantes programas. Um abuso. Ora, mesmo que não vejamos o programa em questão, como é o meu caso, já tivemos uma boa dose de violência exibida sem qualquer filtro para espetadores de todas as idades, numa perigosa banalização da agressão e desrespeito generalizado. Nas últimas semanas, num dos canais generalistas, para cúmulo, apresentações de brutalidade extrema de uma série a ser exibida no fim-de-semana iam sendo entremeadas com o separador da campanha “Violência zero”. Quanta contradição! Qual das mensagens terá permanecido mais vincada na mente dos espetadores acidentais?