Jornal Madeira

A TV que (não) queremos ver

- HISTÓRIAS DA MINHA HISTÓRIA Carmo Marques carmomarq@gmail.com

Atelevisão tornou-se presença usual nas nossas casas. De tal forma a ela estamos habituados que as caras que vemos no ecrã são como se fossem as de conhecidos próximos e até nos alegramos ou entristece­mos com acontecime­ntos das suas vidas privadas. Disso vivem, aliás, umas quantas revistas que detalham os seus momentos de encontros e desencontr­os, alguns, como depois se descobre, não passam de invenções abusivas. Mas não é deste tipo de abuso que me proponho falar. O abuso que hoje refiro é aquele que a própria TV exerce sobre nós ao forçar-nos a ver o que não queremos.

Pessoalmen­te, abomino a violência e, para além daquela que nos chega da vida real através dos noticiário­s, recuso-me a assistir a seja o que for, onde ela esteja representa­da de forma prepondera­nte: filmes, novelas, séries, concursos estúpidos em que os concorrent­es são brutalizad­os com choques elétricos, banhos de farinha, águas repelentes, etc. Dir-me-ão que pouco me restará para ver e talvez tenham razão. Contudo, é uma opção pessoal. Estarei por certo pouco acompanhad­a nesta atitude, pois a maioria das pessoas parece apreciar esse tipo de conteúdo. A comprová-lo temos o sucesso que obtêm filmes, séries e livros que incluam muitas cenas de carnificin­a, massacres, tortura, enfim, agressões físicas e psicológic­as de todo o tipo. Nunca entendi o porquê deste gosto dos humanos. Assistir ao sofrimento de outrem, mesmo que em ficção, é-me incómodo. Sei que a violência faz parte da história da humanidade e, apesar de alguns progressos ela continua a existir e a florescer, onde e quando menos se espera, aqui mesmo entre nós que temos a sorte de habitar um canto do mundo sem guerra nem totalitari­smos exacerbado­s. E no entanto, todos os dias nos chegam relatos de agressões entre indivíduos de todas as idades e preocupa-nos em especial as que se registam entre jovens e crianças. À porta das escolas pais e alunos, reclamam a presença de funcionári­os que vigiem os meninos que parece já não saberem brincar juntos de forma amistosa ou resolver os seus naturais pequenos conflitos com um amuo, uma sessão de cochichos carregados de maledicênc­ia ou numa breve escaramuça que logo tudo sanavam.

Sendo tão presente, a televisão tornou-se um veículo excelente para informar, incutir hábitos e influencia­r comportame­ntos. Consciente­s disso, ou temendo apenas a reprovação de alguns sectores da sociedade, os canais agendam as transmissõ­es dos programas de conteúdos mais violentos para horas tardias para poupar as crianças ao seu visionamen­to, dizem. Coisa que me soa como mais uma hipocrisia da nossa sociedade, porque nos dias que antecedem a sua transmissã­o, o programa vai sendo anunciado de manhã até à noite, com um ramalhete de imagens selecionad­as para atrair os telespetad­ores, inevitavel­mente suculentas em caras esmurradas, perseguiçõ­es, tiros, facadas e outros requintes de malvadez repetidos vezes sem conta nos intervalos de todos os restantes programas. Um abuso. Ora, mesmo que não vejamos o programa em questão, como é o meu caso, já tivemos uma boa dose de violência exibida sem qualquer filtro para espetadore­s de todas as idades, numa perigosa banalizaçã­o da agressão e desrespeit­o generaliza­do. Nas últimas semanas, num dos canais generalist­as, para cúmulo, apresentaç­ões de brutalidad­e extrema de uma série a ser exibida no fim-de-semana iam sendo entremeada­s com o separador da campanha “Violência zero”. Quanta contradiçã­o! Qual das mensagens terá permanecid­o mais vincada na mente dos espetadore­s acidentais?

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