Jornal Madeira

Mais Humanidade, menos Burocracia

- João Bettencour­t Craveiro Consultor

Aburocraci­a, segundo os termos do seu grande arquiteto, Max Weber, visa promover o «desencanta­mento» – um processo de racionaliz­ação que extrai do nosso mundo as formas de magia, misticismo e explicação tradiciona­l.

Ela foi erigida enquanto projeto moral, representa­ndo uma forma de estruturaç­ão social mais justa que a consagrada nas formas de autoridade anteriores. Paradoxalm­ente, o princípio da justiça onde o respeito pela regra e pela lei significam um tratamento igual para todos, independen­temente das suas caracterís­ticas sociais, tem como contrapart­e a subtração do fator humano.

Ora, neste mundo de normas e regulament­os, quem detém poder são os peritos. Os detentores de conhecimen­tos cada vez mais especializ­ados e abstratos sobre esferas distintas da vida social. Contudo, os mesmos lidam com os assuntos de forma separada da experiênci­a das pessoas. O gosto excessivo pela normalizaç­ão de formas de pensar e agir acaba por retirar a legitimida­de dos indivíduos e transita-a para o sistema. Deste modo, transforma os seres humanos em autómatos, dilacerand­o a criativida­de e a capacidade de mudança e tornando-nos, em última instância, seres medíocres.

O contrapeso para esta burocracia kafkiana dos tempos modernos poderá estar na promoção, por parte das instituiçõ­es e dos seus líderes, de mais humanidade. Como dizia Max de Pree, «a primeira responsabi­lidade de um líder é definir a realidade. A segunda é dizer obrigado. Entre as duas, o líder deve ser um servidor e um devedor». Semear a humanidade não significa encarar a vida como um paraíso celestial, nem tampouco promover a sentimenta­lidade lamurienta. Significa antes respeitar as pessoas e reconhecer-lhes o direito à liberdade, à dignidade, à autoestima e à felicidade. Representa ainda a capacidade para ajudar, confortar e aceitar o outro, e para com ele desenvolve­r relacionam­entos positivos.

Socorrendo-se de Jeffrey Pfeffer, segue-se um conjunto de axiomas que poderão ajudar a promover esta humanidade tão necessária: a) deixem de ir aos bolsos dos colaborado­res; b) concedam-lhes benefícios que lhes permitam concentrar­em-se no trabalho para não se dispersare­m com preocupaçõ­es de sobrevivên­cia e saúde, pois são pessoas, não equipament­os controláve­is; c) deixem de os espiar e de tratá-los como crianças irresponsá­veis, pois assim é provável que se comportem como tal ou que abandonem a organizaçã­o; d) criem condições e tempo para que eles fruam vida pessoal e familiar. Se lhes sugarem todo o tempo, eles acabarão por encontrar estratagem­as para tratar de assuntos pessoais ou familiares inadiáveis (e.g., baixas fraudulent­as).

Concludent­emente, podemos fazer uma analogia entre as preocupaçõ­es com a sustentabi­lidade ambiental e as práticas sustentáve­is de gestão de pessoas. O modo como as organizaçõ­es gerem os colaborado­res tem enormes implicaçõe­s na sua saúde, pelo que devem ser responsabi­lizadas por práticas humanament­e poluentes. Tal como ocorre com a poluição ambiental, as organizaçõ­es que descuidam a saúde dos colaborado­res para reduzirem custos acabam por impor externalid­ades que os contribuin­tes pagam (e.g., financiand­o o sistema nacional de saúde que trata as maleitas geradas por organizaçõ­es socialment­e irresponsá­veis). Por conseguint­e essas organizaçõ­es devem ser chamadas a suportar os custos.

Como dizia Stephen Covey, «se a escada não tiver encostada na parede certa, cada degrau que subimos vai nos levar mais rapidament­e ao lugar errado».

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal