(Des) Arrumar sonhos
Não, não vou falar sobre novidades e wishlists e estantes por arrumar e tanto livro à espera de ser lido! As nossas estantes não podem negar - muitos de nós leitores somos também colecionadores de livros. E, apesar de ser um dos grandes prazeres da nossa vida (da minha pelo menos é), nem sempre é fácil fazer isso.
A primeira questão é, claro, dinheiro. Mas acho esse um assunto chato e, a não ser que sejamos milionários, ele é um problema para quase tudo na vida, não só para livros. Por isso, ele está sendo cordialmente ignorado neste texto.
Gosto de ideia porque sempre gostei de ler de maneira variada: sempre tento sair da minha zona de conforto como leitora e me provocar a ler coisas novas ou que não costumo ler.
A situação é bem mais simples quando começamos. Ainda somos crianças ou adolescentes e temos uns 30 livros no quarto. Já começamos a achar a pilha grande, mas provavelmente temos alguns espaços entupidos com outras coisas que poderão dar espaço para mais papel. É nessa época que sonhamos com as paredes feitas de livros (pelo menos eu).
Mas claro, sempre temos os nossos jeitos de melhorar a situação: deitar livros na horizontal em cima das fileiras de livros ou até criar as fileiras duplas – maneira triste, porém eficiente de dobrar a capacidade da estante. E uma das vantagens de ter a própria casa é expandir o território ocupado pela coleção. Agora estão na estante denominada “biblioteca”, na sala e já começo a ter outros planos.
A única coisa que me preocupa são as próximas etapas da expansão só restarão livres a cozinha, o porta malas do carro e o lado de fora da janela. Ou quem sabe guardados na biblioteca única e especial bem pertinho da minha casa (risos).
Por meados de 2019, comecei a pensar sobre a quantidade de livros não lidos que tenho na minha estante. Depois de passado o susto, não consegui decidir se aquela quantidade era boa ou má. Amo livros, então ter muitos é algo bom.
Ter possibilidades e liberdade para escolher as próximas leituras também vai para o lado de prós da lista.
Ainda assim, acho que nunca tive tantos livros não lidos em casa antes. Sempre acreditei que o verbo principal que devemos usar com os livros é “ler”, não “comprar apenas”. A função do objeto livro só se cumpre com sua leitura e eu tenho cerca de (alguns) deles esperando que eu o faça. Um pouco opressor, não?
Incrível mesmo foi uma conversa que tive com um amigo que também gosta de livros, fiquei sabendo da existência de pessoas que compram livros para enfeitar paredes e estantes, escolhendo os volumes pelas lombadas. Mas e quando chega alguma visita e pergunta sobre os livros? O certo, talvez com um pouco de preconceito, mas assusta-me o fato de que alguém compre livros apenas para enfeite, ou pelas capas que são apelativas ou ainda porque são aqueles os mais baratos. Talvez haja quem os compre a peso, será?
Só depois do susto inicial lembrei-me da existência daqueles livros grandes e bonitos que as pessoas compram para as mesinhas da sala ou daqueles que alugam livros em capa dura para posicionar estrategicamente pelo espaço.
Todos eles me assustam. Gosto de comprar livros e de capas bonitas, mas acho que nada importa se eles não foram lidos. E muitos dos meus não foram e alguns estão ali esperando desde 2019.
Recomendo vivamente o muito acessível, bem-humorado e interessantíssimo ensaio de Pierre Bayard, «Comment parler des livres que l'on n'a pas lus?» (que aqui tento traduzir o melhor possível), «a cultura é, sobretudo, uma questão de orientação. Ser culto não é ter lido este ou aquele livro, mas saber orientar-se no conjunto deles; ou seja, saber que os livros formam um conjunto e ser capaz de situar cada elemento em relação aos restantes».
E que 2020 seja conhecido como o ano de desencalhe de leituras!
Rosa Luísa Gaspar escreve à quarta-feira, de 4 em 4 semanas