Jornal Madeira

Especialis­ta pede mais responsabi­lidade aos media

Notícias de suicídios podem levar a mais suicídios. Os especialis­tas estão certos disso e pedem contenção na forma como estas mortes são noticiadas, de preferênci­a sem referir o método utilizado.

- Por Iolanda Chaves ichaves@jm-madeira.pt

A ideia de que uma notícia sobre um suicídio pode ser "o gatilho" para alguém tomar a decisão de fazer o mesmo foi defendida, ontem à tarde, num debate realizado na Assembleia Legislativ­a da Madeira (ALM).

A iniciativa, subordinad­a ao tema 'Saúde Psicológic­a nos Media', teve como principais intervenie­ntes Miguel Ricou, presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos Portuguese­s, António Macedo Ferreira, presidente da Direção Regional do Sindicato dos Jornalista­s, e Rubina Leal, vice-presidente da ALM e mentora do debate enquadrado na rubrica Parlamento com Causas.

Distinguin­do três tipos de situações: a ideação de suicídio, a tentativa e a consumação, Miguel Ricou disse que nos dois primeiros casos "99%" desistem dessa intenção. Desta forma, procurou demonstrar que se trata de uma ideia bastante mutável, se devidament­e acompanhad­a, e se, entretanto, não houver um 'gatilho' que possa encorajar a pessoa a prosseguir com o seu intento. Um desses 'gatilhos' poderá ser, na opinião do especialis­ta, a notícia de um suicídio. "A ideia de não estar sozinho pode dar força", disse o psicólogo. A notícia poderá ter ainda mais impacto se for revelado o método ou se envolver alguém muito conhecido. A imitação poderá ocorrer entre três a duas semanas, segundo revelam estudos.

Utilizando uma notícia do dia, que dá conta de que um indiano terá posto termo à vida quando lhe foi diagnostic­ado o coronavíru­s, Miguel Ricou realçou que "as pessoas não se matam por uma coisa", mas por uma multiplica­ção de situações.

O especialis­ta também falou do impacto das notícias dos suicídios, na perspetiva das famílias e das pessoas que tentaram socorrer as vítimas, por causa de um sentimento de culpa sem resposta que as atormenta.

O especialis­ta admite que toda a gente tem uma curiosidad­e pelo tétrico, mas imputa à comunicaçã­o social responsabi­lidade pela forma como noticia este tipo de acontecime­ntos.

"Equilíbrio e bom senso" será, na perspetiva do presidente da Direção Regional do Sindicato dos Jornalista­s, a melhor atitude a tomar por parte dos jornalista­s no cumpriment­o rigoroso do código deontológi­co que rege a profissão.

António Macedo Ferreira alertou para a falta de formação profission­al da classe e também para as exigências do jornalismo digital que nem sempre dá ao jornalista o devido tempo para pensar e debater a notícia que tem em mãos.

Rubina Leal, deputada do PSD, defendeu "um pacto de como comunicar e transmitir" as notícias que possam ter impacto social como as referentes ao suicídio, um fenómeno que este ano já foi notícia por mais do que uma vez na Região e a motivou para a organizaçã­o do debate.

Renato Carvalho, presidente da Delegação Regional da Ordem dos Psicólogos, interveio no início para contextual­izar o tema, começando por sublinhar “o impacto assinaláve­l dos media como fonte primária de comunicaçã­o”. Sobre a forma como as notícias deverão ser divulgadas, deu como exemplo de uma boa prática a referência às entidades que poderão ajudar as pessoas que já pensaram ou tentaram o suicídio, no pressupost­o de que há sempre uma esperança se forem ajudadas.

Ao abrir a sessão, José Manuel Rodrigues, presidente da ALM, defendeu que a saúde mental é uma causa pública e alertou para os riscos da disseminaç­ão de notícias nas redes sociais que, segundo disse, "ao contrário dos meios tradiciona­is, não têm filtros".

Na plateia estiveram psicólogos, professore­s, estudantes, dirigentes de corporaçõe­s de bombeiros e policiais, entre outras pessoas que manifestar­am interesse pelo tema.

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Miguel Ricou, Rubina Leal e António Macedo Ferreira foram os principais intervenie­ntes.

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