O Tempo de Não Acabar de Vez com a Cultura
Co m emergência sanitária aparentemente controlada, a recuperação económica é prioritária. Mas há setores que, pela sua natureza demorarão muito mais tempo a recuperar. Entre esses, destaco aqueles que se relacionam com as indústrias criativas, artísticas e culturais talvez porque esta semana tive o privilégio de conversar com algumas pessoas que, também por cá, se recusam a baixar os braços. O diagnóstico é simples: O que se passa é que… não se passa nada.
Em condições normais, quem antes se dedicava à cultura, à literatura, à música, às artes plásticas ou performativas, ao ponto de querer fazer disso a sua profissão já enfrentava várias dificuldades. São tantas que o simples anúncio de que se queria dar o salto na direção da profissionalização ou semiprofissionalização era motivo para que se questionasse de imediato a sanidade mental de quem o proferisse. Em tempos de pandemia tornou-se ainda pior.
Assistir a um concerto rock num estádio, a um quarteto de cordas intimista, um festival de verão, uma exposição de pintura ou escultura (se possível com a presença de quem criou as peças), o Jazz no parque de Santa Catarina, ir à ópera, ver uma peça no Baltazar Dias, no Cine-teatro ou no micro-palco do Balcão Cristal são experiências muito diferentes, mas têm sempre algo em comum: o público que partilha a arte, o espaço e o momento do tempo suspenso.
O caminho antevê-se pedregoso, íngreme e, acima de tudo, longo. Começa pelas medidas que reduzirão a lotação dos espaços, a proximidade com artistas, com as outras pessoas que partilham o momento, a experiência ao vivo, o sentimento de comunhão única e quase irrepetível. Para agravar, o público também perdeu disponibilidade financeira, as empresas que apoiavam as artes têm menor capacidade de patrocínio e as entidades públicas vêm-se a braços com outras solicitações e fazem opções.
Não é apenas um problema do futuro. As empresas, os operadores culturais e artísticos, os trabalhadores (boa parte dos quais intermitentes) estão em dificuldades agora. As pessoas que dependem deste ramo de atividade, sejam músicos, atores, pintores, escultores, produtores, figurinistas, técnicos de luz, som ou audiovisual, comem, bebem, precisam de roupa, calçado, de sítio para viver, de pagar renda, empréstimos ou IMI. Os seus filhos também precisam de comer, beber, também têm vontade de brincar, aprender, viver… Também vão à escola, precisam de livros e material escolar, de bolas, de fazer desporto, de sonhar…
Neste contexto a Câmara Municipal do Funchal (um bom exemplo) tem tido um papel determinante. À requalificação de vários espaços recuperados e devolvidos à cidade através de entidades que promovem e dinamizam a cultura na Região junta-se o apoio a Associações que desenvolvem projetos de âmbito cultural no concelho. Já neste tempo difícil, decidiu acelerar o pagamento dos apoios (em vários casos superiores aos prometidos pelo Governo Regional resultantes das candidaturas feitas em novembro mas que ainda não chegaram ao destino).
Mas o mais importante é que decidiu não cancelar qualquer evento. Os que não puderam ser realizados nem se possam realizar em 2020 foram reagendados para 2021. Está a proceder já ao pagamento de 50% desses eventos adiados e remunerou artistas regionais que adaptaram as suas criações a novos canais de divulgação, tais como as redes sociais.
A iniciativa “A Cultura que nos Une” é um bom exemplo: 46 iniciativas culturais diversas, 70 pessoas remuneradas pelo seu trabalho criativo, milhares de visualizações em espetáculos, workshops de literatura, escrita e artes plásticas, conferências ou visitas virtuais a museus.
No seu conjunto são 260 mil euros distribuídos por 37 instituições regionais. Não é uma linha de emergência ou caridade. É a valorização do trabalho artístico e cultural que se produz na Madeira e remuneração de profissionais. É uma questão de dignidade para não acabar de vez com a cultura.
Porque, como terá dito Churchill numa luta diferente, se não for pela Cultura, por que valerá a pena lutar?
José Júlio Curado escreve ao sábado, de 2 em 2 semanas