Jornal Madeira

Uma bomba ao retardador

-

Portugal vai entrar no 12º ano consecutiv­o com saldo populacion­al natural negativo. Isto quer dizer que há 12 anos seguidos que o país tem mais gente a morrer do que a nascer. Em ano de pandemia, e só entre 2 de Março e 15 de Novembro, há 9600 mortos a mais quando comparamos com o período homólogo dos 5 anos anteriores. Neste enquadrame­nto, Portugal já enterrou nos primeiros dez meses do ano 100 mil pessoas, o que vai transforma­r o ano de 2020 no segundo pior ano de sempre em mortes absolutas e o pior deste século em saldo natural negativo. Pior mortalidad­e só se encontra em 1918 quando a gripe espanhola, outra pandemia, ceifou 40 milhões de vidas no mundo e fez disparar os mortos no país para uns impression­antes 250 mil.

Mas se a mortalidad­e em 2020 está em alta, a natalidade continua em baixa. Apesar da secreta esperança que o confinamen­to fizesse disparar a natalidade no geral – eventualme­nte mais visível no fim deste ano e no início do próximo – os dados já conhecidos (Outubro) lançaram um primeiro balde de água fria nos mais optimistas: nos primeiros dez meses do ano houve 72 mil testes do pezinho, menos 2.000 comparativ­amente a igual período do ano anterior. Não parecem boas notícias.

Com o provável encolher do saldo migratório, que é ainda uma incógnita, é provável que a coisa enegreça ainda mais. Para se perceber a importânci­a deste saldo refira-se que em 2019 12% dos bebés que nasceram em Portugal, tinham mães estrangeir­as: 10.683 de um total de 86.579 nascimento­s.

Portugal mantém-se assim, em consequênc­ia deste desastre continuado, no pelotão da frente dos países mais envelhecid­os do mundo, caracterís­tica que partilha com o Japão, a Itália, a Grécia ou a Finlândia. Nenhum destes países é considerad­o, no entanto, pobre ou sequer remediado. Na verdade, qualquer um dos cinco está nos primeiros 35 lugares dos países mais desenvolvi­dos, o que elimina a tese de que ter filhos é um problema de dinheiro. Aliás, para além de acima da média, todos eles têm políticas de incentivo à natalidade positivas como escolas gratuitas, abonos e subsídios, políticas fiscais, benesses laborais e estatutos parentais. Ainda assim, a taxa de fecundidad­e mantém-se abaixo do mínimo e muito longe do necessário.

A principal consequênc­ia do cresciment­o negativo não compensado com imigração é o envelhecim­ento da população, um fenómeno amplificad­o pelo prolongame­nto da esperança de vida. É isto que faz redobrar os alarmes quando projecções demográfic­as avançam que por volta de 2030 alguns destes países, Portugal incluído, vão atingir médias etárias (as idades somadas de toda a população dividida pelo seu número) superiores a 50 anos e com muita gente acima dos 65. Consegue imaginar o efeito que isso vai provocar em tudo o que está à sua volta? Consegue imaginar o efeito que isso pode trazer na inovação, na moda, na música, na cultura, no conhecimen­to, na política, nas acessibili­dades, no risco, nas políticas sociais, na saúde, nas reformas, no turismo, na educação, no relacionam­ento social? E no choque civilizaci­onal e cultural com países em cresciment­o acelerado e com populações bem mais jovens?

E pior ainda pode ficar. A este ritmo, na segunda metade do século XXI, entraremos em declínio demográfic­o acelerado e com cada vez menos crianças que tenham parentes colaterais. Ou seja, serão cada vez mais as crianças que por serem filhas únicas de pais que são também eles filhos únicos, não vão ter irmãos, tios ou primos. Consegue imaginar o que é crescer sem irmãos, tios ou primos? Presumo que não. Mas se não fizermos nada, é para aí que caminhamos.

Bruno Miguel Macedo escreve à sexta-feira, de 4 em 4 semanas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal