Jornal Madeira

Frete em carro de pau

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Há muitos anos quando a quantidade de carros não abundava, em Santana, grande parte do transporte de carga diversa fazia-se num carro de madeira. Num carro de pau.

Um veículo normalment­e construído pelo dono. Era quase tudo de madeira. O trabalho era todo manual.

As rodas eram construída­s nas serragens. Depois de moldadas eram revestidas com borracha de pneus velhos.

A direcção era feita com um pau em forma de “Y”.

O carro tinha travões que eram construído­s também com pedaços de pneu velho.

A viatura resumia-se a um chassi e às quatro rodas.

Uma construção rudimentar mas que era usada muita gente já em Santana.

Até havia quem tinha este tipo de viatura com o objectivo de fazer fretes requisitad­os por vários clientes.

Recordo-me duma família que nos tempos de infância passava no meu sítio com o seu carro carregado de feiteira, de mato ou de paus para lenha.

Iam à serra carregar a “viatura”. Um frete pago.

Nesse tempo um pouco acima do cemitério era praticamen­te só serra.

Era por ali que cortavam o mato ou os paus de lenha. Era dali que partiam com o carro carregado Santana abaixo.

Por vezes o transporte implicava percorrer vários quilómetro­s em estrada empedrada. Controlar esta viatura num piso muito irregular não era tarefa fácil.

Mas eles lá iam. Todos.

São imagens que nunca se apagam. Era uma família numerosa e muito pobre.

Quando eram requisitad­os para um transporte destes, vinham quase todos os membros lá de casa.

Vinham todos descalços. Era a mulher, o marido e grande parte dos filhos… todos a acompanhar e a controlar o carro.

Pelo aspeto eram bem visíveis os sinais de pobreza, de fome que atormentav­a aquela família.

Uma operação de transporte que envolvia algum engenho.

Nas subidas todos eram poucos para empurrar. Nas descidas era preciso contrabala­nçar. Era preciso usar as mesmas cordas para com a ajuda do travão improvisad­o, abrandar a velocidade do carro.

Quando eram requisitad­os para um transporte destes, vinham quase todos os membros lá de casa.

Por vezes isto dava para o torto. O material acabava por ceder. As avarias aconteciam com alguma frequência. As rodas de tanto queimar no seco, acabavam por partir ou os veios começavam a ameaçar incendiar.

Era um tormento para o patriarca que tinha de remediar e resolver as avarias. A encomenda tinha de chegar ao seu destino e dentro do prazo estipulado.

Cheguei a ver algumas vezes a família toda junta na berma da estrada com uma carga de trabalhos para tentar resolver as avarias que iam surgindo.

Coisas de outros tempos. Difíceis de imaginar nos dias de hoje. Mas que aconteciam.

Gil Rosa escreve à quinta-feira, de 4 em 4 semanas

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