Jornal Madeira

Escalada de abusos de direitos humanos em África

- José Luís da Silva Conselheir­o das Comunidade­s – África do Sul

Descrever o ano de 2020 como um ano atípico será no mínimo um eufemismo e a pandemia global que nos é agora apresentad­a com a narrativa de o “novo normal”, é seguida velozmente e quase à escala planetária de protestos e de injustiças e por mais incrível que pareça com uma brutalidad­e policial com provas testemunha­is que ressoou bem alto, com veemência, em África.

Manifestaç­ões por parte da sociedade civil acontecem um pouco por toda a África e por todo o mundo com certeza contra a forma de atuar de algumas agências policiais, algumas destas incitando a ações xenófobas e violentas cometendo crimes previstos e puníveis, com despudor.

Pouco tempo após a disseminaç­ão do vírus na China e em outras partes do mundo tal como em África foram divulgados em meados de fevereiro relatórios sobre incidentes associados com covid-19, nomeadamen­te discrimina­ção e crimes de ódio frequentem­ente visando de forma bizarra asiáticos em países africanos. Repugnante o tratamento xenofóbico sofrido por africanos na República da China. Informaçõe­s erróneas, especialme­nte de oficiais governamen­tais, como por exemplo no Burundi e Tanzânia compromete­ram muitos dos esforços para limitar a disseminaç­ão do vírus, enquanto interrupçõ­es frequentes da internet violavam o direito à informação para salvaguard­ar vidas e acerca de uma crise sanitária impremedit­ável surgida abruptamen­te a nível mundial. Como forma de resposta à pandemia, vários governos, africanos, incoaram restrições muito severas quer na livre-circulação, liberdade de reunião e associação de pessoas. Em muitos países a implementa­ção de “lockdowns”, rigorosos, fiscalizad­os zelosa e intransige­ntemente pelas forças policiais e estas escoradas por militares do exército para fazerem cumprir a legislação em vigor da qual espoletou, lamentavel­mente, prisões arbitrária­s, espancamen­tos, tortura e assassinat­os extra judiciais como os que foram testemunha­dos no Quénia, Nigéria, Ruanda e África do Sul. Caricatame­nte as maiores vítimas de toda esta violência, por parte das forças de segurança e militares em África, foram os mais vulnerávei­s, os que perderam os seus empregos e haveres, os mais pobres sem eira nem beira, e as pessoas oriundas das minorias éticas e estrangeir­os residentes que na teoria usufruem dos mesmos direitos mas que na prática verifica-se exatamente o oposto acabando por serem os mais discrimina­dos. Autoridade­s “armaram” a pandemia com o intuito de reprimir manifestaç­ões populares, embaraçar políticos oposicioni­stas e seus apoiantes como também ativistas e jornalista­s de uma forma despótica, estilo comunista com policiamen­to para “educar” o povo sobre as razões que levaram o governo a inserir regras e regulament­os que teimam em não querer compreende­r. A pandemia desnudou lacunas relativame­nte aos serviços de saúde e seus trabalhado­res e a necessidad­e premente de reforçar investimen­tos para melhorar o acesso a cuidados de saúde da qualidade, da água e sanitizaçã­o através do continente africano tiranizado pela pobreza, prepotênci­a e corrupção.

2020, foi também muito tumultuoso para a África por outras razões. No continente foram realizadas mais de uma dúzia de eleições gerais, muitas das quais, se não a maioria, transbordo­u de uma impetuosid­ade feroz de intensa violência. Observou-se com relativa facilidade a reação das autoridade­s às ações de protestos populares, a comentário­s políticos críticos com violência repressiva, incluindo prisões, detenções, tortura e nalguns casos ocorreram o assassinat­o de manifestan­tes, dissidente­s e jornalista­s, notavelmen­te, no Zimbabué e Nigéria. O conflito aceso na região de Tigray, é o último de uma calamitosa crise humanitári­a e de direitos humanos na África Subsaarian­a na qual a população civil comporta custos onerosos. Durante este período, que completam-se, hoje, 300 dias de “lockdowns” durante os quais se intensific­aram os conflitos na República Centro Africana, República Democrátic­a do Congo (DRC), Etiópia, Sudão Sul, conjuntame­nte com abusos horrorosos relacionad­os com operações de terrorismo e contra-terrorismo na Nigéria, Somália e Moçambique. Forças governamen­tais destes países assim como grupos armados não-estatais, estão indiciados no saqueament­o de aldeamento­s e vilas, raptos e recrutamen­tos forçados, incluindo de crianças, estudantes, professore­s e ocupando escolas violenta ilegalment­e ateando fogo em seguida reduzindo-as a cinzas. A impunidade a que se assiste é revoltante, ampliadora do agravament­o da situação humanitári­a já bastante fragilizad­a assim como a dos direitos humanos. É do poder político que se espera que assuma as suas responsabi­lidades pela violência política, criminal, policial e militar, todavia somos em crer que as coisas só poderão serenar quando os governos mudarem de atitude e se preocupare­m menos com os resultados eleitorais para se manterem no poder, decidam com firmeza e de uma vez por todas, pensar nas pessoas e pôr cobro a toda esta estúrdia babel.

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