Jornal Madeira

A morte de São Tiago Menor (XI)

- Teodoro de Faria

Os livros canónicos não se referem à morte de São Tiago, o que aconteceu também com a quase totalidade dos outros apóstolos, tendo o martírio do diácono Santo Estêvão uma longa descrição narrada por São Lucas no livro dos Atos dos Apóstolos (A. Ap.7,54-60).

O bispo de Jerusalém, Tiago Menor, tem referência­s do seu martírio no escritor Flávio Josefo, militar judeu na cidade de Séforis na Galileia que, preso pelos romanos, teve a habilidade de preanuncia­r ao general romano Vespasiano que seria o futuro imperador, tendo este e seu filho Tito, tratado Josefo como amigo. Morreu em Roma no ano 100. Foi muito bom historiado­r do judaísmo, merecendo reparos nos elogios de matiz político e apologétic­o quando se refere aos romanos. O grande historiado­r e bispo de Cesareia, Eusébio, trata diversas vezes do martírio de São Tiago Menor, citou o judeu cristão Hegésipo da Judeia e Clemente de Alexandria, além de outros autores.

Entre tantos testemunho­s, com diversos relatos, que mostram como a comunidade cristã, não só de Jerusalém, apreciava a santidade do santo bispo, prefiro citar Eusébio como o mais credível e digno de fé: “Conduzindo-o (Tiago Menor) para o meio deles, pediram-lhe que renegasse diante de todo o povo a fé em Cristo, mas ele, contra as expectativ­as de todo o povo com voz mais livre que quanto eles pudessem esperar, proclamand­o que Jesus, o nosso Salvador e Senhor, é filho de Deus. A multidão, não tolerando o testemunho de fé daquele homem, que era, no entanto, tido como o mais justo de todos pela sua incomum sabedoria e piedade, de que dava provas na vida, matou-o valendo-se de momentânea anarquia, devido à morte de Festo, governador da Judeia, acontecida precisamen­te naqueles dias, e que deixou aquela pro

MEMÓRIA AGRADECIDA víncia sem governo e sem governador” (HE II,23,2).

Eusébio não indica se Tiago morreu apedrejado, queimado ou decapitado, fala num “Momento de anarquia.” A forma normal de matar um criminoso em Israel era por apedrejame­nto. O próprio Jesus assim o refere em São João (10,31): “Os judeus, então, pegaram em pedras para O apedrejare­m”. Jesus disse-lhes: “Tenho-vos mostrado muitas boas obras que fiz por virtude de Meu Pai, por qual dessas obras Me apedrejais?”. Para os inimigos e criminosos estrangeir­os, aplicava-se a pena de morte pelo fogo ou pregado na cruz, foi a crucifixão que os membros do Sinédrio aplicaram a Jesus, porque na Bíblia está escrito que é maldito por Deus todo aquele que pende da cruz. Devido à morte de Jesus, a cruz tornou-se sinal de salvação para os cristãos como apregoa São Paulo: “Enquanto os judeus exigem milagres e os gregos buscam a sabedoria, nós pregamos a Cristo crucificad­o, que é escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1Cor.1,23).

Os judeus e o Sinédrio não tinham poder de decretar uma pena de morte, só o governador romano o podia fazer, a morte de Estevão foi uma sublevação popular. Não um ato oficial do tribunal judaico do Sinédrio. No ano

62, o governador romano Festo tinha morrido, o sucessor Albino já fora nomeado, mas não tinha tomado posse, o sumo sacerdote Ananias era um homem indigno e, segundo Flávio Josefo, violento, avaro, dissoluto e cruel, com São Paulo preso na Torre Antónia de Jerusalém, já tinha mandado para lhe baterem na boca, a máxima ofensa a uma pessoa (A.AP.23,1). Ananias não estaria satisfeito com a boa fama, santidade e conversão de fariseus ao cristianis­mo por Tiago, que frequentav­a o Templo e, até, se dizia que entrava no Santo dos Santos, o que não era possível, tanto mais com este Ananias. Este Sumo Sacerdote, num “momento de anarquia”, para mostrar a “sua importânci­a e liderança”, podia provocar ou permitir o que nos escreve Eusébio “que (Tiago) renegasse a sua fé em Jesus Cristo diante de todo o povo numa província sem governo nem governador”.

O desapareci­mento das comunidade­s judeu cristãs ou o seu afastament­o de Jerusalém

deu origem a um conjunto de tradições que, com a destruição do Templo, os judeus cristãos desaparece­ram ou dispersara­m-se, nascendo as tradições da morte de Tiago precipitad­o do pináculo do Templo, impossível de sobreviver, devido à altura. Apesar de tudo, para dar lugar ao martírio, é apresentad­o e obrigado a escavar uma cova onde é enterrado até á cintura e apedrejado até à morte. Para muitos cristãos e judeus a destruição do Templo e da Cidade Santa foi um castigo de Deus por causa do martírio de São Tiago.

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Ícone de São Tiago Menor na Basílica do Santo Sepulcro em Jerusalém.
 ??  ?? Bispo Emérito do Funchal
Bispo Emérito do Funchal

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