MNE português diz que serviços estão focados nos portugueses
Desespero. Palavra que traduz o estado de espírito dos comerciantes madeirenses na África do Sul após quatro dias de saques, de vandalismo, de roubo e de incêndios. A violência parece não dar tréguas e a fúria dos manifestantes é tamanha que ninguém os consegue parar.
“No domingo, a loja estava aberta e as pessoas começaram a gritar aqui em baixo. Ligaram-me a dizer que estavam a entrar para dentro da loja e que não os conseguiam parar”, descreve Nuno Gonçalves, emigrante madeirense que viu a sua loja ser totalmente ‘varrida’ na tarde/noite desta terça-feira, em Durban.
“A polícia estava lá e depois foram embora. Não fizeram nada, não dispararam para ninguém. Deixaram os manifestantes tomarem conta de tudo”, disse revoltado.
O homem natural do Estreito da Calheta descreve “contentores estragados, alguns roubados, coisas pelo chão”.
“Uma desgraça, só me apetece chorar”, lamenta.
O madeirense explica que ninguém conseguia fazer nada devido à grande quantidade de manifestantes que estava a invadir o seu estabelecimento comercial.
“Não se conseguia fazer nada, eles eram muitos. Os seguranças não podiam fazer nada”.
Nuno Gonçalves aponta o dedo à inércia da polícia local. “Nem tinham balas, não estão preparados para uma coisa desta”, aponta.
“Não temos dormido quase nada. Estamos toda a noite preparados para que aconteça algo. Trancamos tudo. Só se ouvia disparos durante toda a noite, barulho. Estávamos com medo que viessem para as casas”, descreve, visivelmente receoso.
Felizmente, diz-nos o madeirense que “toda a comunidade tem ajudado bastante”.
“Todos têm colocado contentores e outras coisas para impedi-los de virem, para mandá-los para trás.
Eles [manifestantes] vêm de todo o lado dos campos Squatters. Está a ser um problema muito grande”, continua.
Desafiado a descrever a destruição no seu negócio, Nuno Gonçalves garantiu, comovido, que tinha dificuldades em explicar. “Está tudo destruído. Toda a eletricidade, água a derramar, chão inundado, montras partidas, não consigo explicar, é uma desgraça”.
“A gente precisa de fé”, concluiu o comerciante.
O ministro dos Negócios Estrangeiros português afirmou ontem que os serviços diplomáticos na África do Sul estão focados no apoio aos portugueses e voltou a pedir cautela à comunidade, num momento em se verificam várias manifestações violentas. “Espero que os acontecimentos que estão a afligir a África do Sul terminem o mais depressa possível”, afirmou Augusto Santos Silva à Lusa, confiando que a normalidade regresse.
Nas ruas do país, milhares de sulafricanos têm saqueado lojas, atacado equipamentos públicos e vandalizado as ruas, protestando contra a crise económica e exigindo a libertação do ex-presidente Jacob Zuma, preso na semana passada por desrespeito a uma ordem do Tribunal Constitucional, a mais alta instância judicial do país. “Tomei muito boa nota dos apelos à calma e ao respeito pelas decisões dos tribunais sul-africanos que o Presidente [Ramaphosa] fez e tem insistentemente feito”, disse o chefe da diplomacia portuguesa.
A África do Sul conta com cerca de 450 mil portugueses e lusodescendentes e Santos Silva admitiu que os serviços consulares estão focados no apoio à comunidade. “Como todos compreenderão, a minha prioridade, a minha preocupação, é com a situação dos portugueses”, disse. “Infelizmente já temos a lamentar prejuízos em bens, […] mas felizmente no momento em que falo não há nenhuma notícia de que a segurança física dos portugueses tivesse estado em perigo”, acrescentou o governante. O ministro reafirmou os apelos feitos pela secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, pedindo “a máxima cautela e a máxima prudência” por parte dos compatriotas num momento de crise social no país.