Relatório de Verão
De repente, começou a ventar. Vento, vento, vento. De manhã à noite, a toda a hora. Vento. E nuvens também. Muitas nuvens. O sol quase sempre encoberto e as constelações ocultas. Bem feitas as contas, num total de quinze dias, apenas cinco foram meteorologicamente bons. E, mesmo assim, dois deles não prestaram para fazer praia. Por causa do vento, claro.
Eu digo:
– O Porto Santo tem uma personalidade forte.
A Pat faz-se desentendida:
– É tudo o que se quer num destino de verão.
Bem, no primeiro dia fomos dar um passeio na praia, já na parte da tarde, seguido de mergulho e banho de sol. Excelente! No segundo, fizemos a mesma coisa, mas com mais delongas. Tudo perfeito – os passos na areia a caminho da Calheta, o recorte das Desertas no horizonte, o bonito e espesso perfil da costa norte da Madeira ao fundo, o sol a pique, o vinho branco gelado, o rumor da esplanada ainda com pouca gente, o mar sem ondas, a toalha estendida.
Eu venho a correr e digo:
– A água está ótima!
Pareço um náufrago do tempo antigo, com o cabelo comprido e a barba hirsuta. A Pat recomenda-me protetor solar, mas eu recuso. Gosto de enfrentar as coisas ao natural, seja lá o que for. É uma mania que tenho.
– Quero lá saber de protetor.
À noite, porém, percebo que apanhei um escaldão. Estou vermelho da cabeça aos pés, um vermelho vivo e intenso, em degradê pelo corpo abaixo. Suplico por cremes refrescantes, rogo por pomadas hidratantes. Durmo mal. Tenho o corpo a arder, a ferver. Ao natural, com certeza.
– Como tu gostas! – Diz ela.
E eu assim mansinho:
– Hoje não vou à praia. Tenho de dar descanso à pele, caramba. Além disso, vamos ficar aqui quinze dias. Não é preciso gastar o sol todo de uma vez.
No dia seguinte, contudo, vieram as nuvens e o vento. O mar pôs-se cheio de ondas e praia tornou-se um lugar frio e desagradável. E assim continuou dia após dia. Tivemos de preencher o tempo com outras atividades, como, por exemplo, três ou quatro voltas à ilha de carro, ora por um lado, ora por outro, parando aqui e ali para ver as vistas e os lugares do costume; duas idas ao Pico Ana Ferreira com o propósito de entrar numa gruta de onde se tiram fotografias panorâmicas espetaculares, mas que não encontrámos; algumas tardes inteiras de sono em casa, a casa que alugámos e sobre a qual passam todos os aviões que aterram na ilha, porque fica mesmo no enfiamento do aeroporto; umas quantas idas à Vila Baleira – palavra que, entre outros significados, quer dizer ‘vazia’ – para tomar café e ver as lojas; uma tentativa fracassada para fazer um churrasco no quintal, pois não consegui acender o carvão – o que é uma coisa incrível, considerando que sou das Zonas Altas de Santo António e além disso vivi uns anos em África; várias tentativas igualmente falhadas para iniciar a leitura de “As Novas Mil e Uma Noites”, de Robert Louis Stevenson, a maior parte das quais terminou sem sequer tocar no livro. Pelo meio, fomos duas vezes ao supermercado grande e muitas ao supermercado pequeno ao pé de casa e também comemos em dez restaurantes distintos, um dos quais estava a abarrotar de gente de várias nacionalidades como se não houvesse pandemia.
Apesar de tudo, nunca perdemos a esperança do verão e descemos à praia todos os dias à sua procura. Houve até uma vez em que me entusiasmei e decidi furar de cabeça as ondas como se fosse um miúdo e senti-me, de facto, feliz e alegre e leve como um miúdo. No dia seguinte, porém, acordei com fortes dores no pescoço e as dores diziam assim:
– Estás velho, meu caro! Estás velho!
Mas eu cá gosto de pensar que, aparte os mergulhos no mar, estas dores têm muito a ver com os mergulhos na cama. Afinal de contas, apesar da minha idade, eu e a Pat estamos em lua-de-mel… E lá fora está vento…
Apesar de tudo, nunca perdemos a esperança do verão e descemos à praia todos os dias à sua procura.
Duarte Caires escreve à sexta-feira, todas as semanas