Jornal Madeira

Última dança

- Eduardo Azevedo eapgazeved­o@gmail.com

Aluz baixava, a batida aumentava, a bola de espelhos começa a rodopiar, agarrava-te pela cintura e começávamo­s naquela última dança. A última dança que nenhum de nós sabia. O ritmo nunca foi o meu forte, apenas seguia-te, o contrário das regras.

Começamos devagar, um passo para o lado, o seguinte para o oposto, como que se estivéssem­os a andar num barco em plena maré das tormentas, agarrados para ninguém cair.

Aquele tempo estava suspenso, a música começara e nós não sabíamos onde é que iria dar aquela dança, a que era suposto ser a última, citando o grande era “one for the road”. No instante quando os acordes surgiram parecia que nada mais importava, a pista ficara vazia, um vazio que foi preenchido por aquele ritual estranho, a que chamamos de dança.

Diante de mim estava uma rapariga, ao contrário de mim, que sempre me considerei um velho com tiques de criança, dançávamos com a expetativa de ver como é que iria acabar aquele momento, sabendo que ambos não queríamos que tal parasse.

Os passos seguiam, como se uma arritmia se tratasse – só que com o passar do tempo descobrias que não havia cura para tal a falta de ‘cha cha cha’ – por mais que tentasse não conseguia acertar um passo, mas tu não te importavas, ou fingias não te importar, o que acaba por ser o mais importante. A minha descoorden­ação contrapunh­a o teu sentido de ritmo e por lá continuáva­mos a balançar de um lado para outro, sem preocupaçõ­es, sem saber o que viria a seguir, apenas contidos naquele tempo, dentro daqueles acordes que nos mantinham isolados na nossa ilha.

Fiquei contente por perceber que tinhas vindo ao meu encontro, que tenhas servido de contrapeso ao meu pé de chumbo.

O teu cabelo mexia-se ao ritmo dos nossos pés, as tuas mãos, nos meus ombros, embora frágeis guiavam-me por entre os movimentos que eu queria chamar de dança, as minhas, por seu turno, acompanhav­am a tua cintura, para a frente, para trás. Ganhando confiança agarrei na tua mão e rodopiei-te, acabamos por tropeçar, como se fosse castigo o meu arrojo, olhei para ti e sorriste. E continuamo­s nós na nossa última dança.

Ganhando confiança agarrei na tua mão e rodopiei-te, acabamos por tropeçar, como se fosse castigo o meu arrojo.

A intimidade ia crescendo, sabendo que nada poderia interrompe­r aquele momento, a confiança crescia e os passos atabalhoad­os fluíam, dentro das limitações, eramos um só e no final a rapariga tornou-se mulher, naquela última dança que ainda continuamo­s a dançar.

Eduardo Azevedo escreve à terça-feira, de 4 em 4 semanas

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