Uma discussão necessária
Fui a um restaurante afamado pela qualidade da sua comida. A fama foi comprovada. Porém o serviço nem por isso. Num dia de casa cheia (o que nos tempos que correm é imperativo para estes negócios), o serviço de mesa estava entregue a apenas dois empregados, que faziam o possível e o impossível para servir os clientes o melhor que era humanamente alcançável. Recolhiam os pedidos, serviam os pratos, limpavam as mesas e aceitavam estoicamente a reclamação, pela demora, dos mais impacientes. Enquanto pagava a conta um dos referidos profissionais desfazia-se em desculpas. Dizia que a razão para estarem apenas os dois era que não conseguiam contratar ninguém. Não que não o quisessem fazer, simplesmente as pessoas não queriam ou não apareciam para trabalhar. Uma pequena volta pelo centro da cidade ou mesmo pelos centros comerciais, encontramos vários anúncios que anunciam ofertas de emprego. Com a mesma ou outra justificação, a queixa é a mesma. Não aparecem candidatos ou muitos quando aparecem, desistem pouco depois.
Esta é a realidade das ruas. Que chocam, de frente, com a realidade dos números. Segundo os dados divulgados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, no passado mês de Junho havia 19.072 desempregados na Região. Este número reflete, segundo o referido Instituto, uma diminuição de 4,1% face ao mês anterior (19.897) mas um crescimento de 5,5% face ao mesmo mês em 2020, altura em que havia 18.073 pessoas desempregadas na Madeira e Porto Santo. Com relevância o IEFP refere que a nível regional, no mês de junho de 2021, o desemprego registado, em termos homólogos, aumentou apenas na Madeira, enquanto que as restantes regiões do país registaram variações negativas, registando a região do Algarve o decréscimo mais acentuado (-23,4%), valor relativamente normal face aos “empregos de verão” no sul de Portugal.
Naturalmente que da análise dos números não podemos afastar o impacto da pandemia na economia regional bem como a retração que tal implicou em termos de emprego real. Apesar de todos os esforços do Governo Regional, multiplicados em programas de apoio ao emprego e às empresas, o mercado é que dita as regras da criação e oferta de emprego, pelo que apenas agora é que se começa a assistir à recuperação da atividade económica, sobretudo pelo aumento da procura do turismo na Região (especialmente pelo turista mais jovem, uma novidade na Região), igualmente refletida no aumento de ofertas de emprego. Muitas que, aparentemente, ficam vazias.
Por outro lado, há outros números que temos que olhar. Segundo os resultados provisórios do
Inquérito às Condições de Vida e Rendimento que decorreu em 2020 em todo o país, que tinha como objetivo a produção de estatísticas sobre a distribuição do rendimento, as condições de vida e exclusão social, verificou-se que que a taxa de risco de pobreza ou exclusão social na Madeira foi de 26,3%, em 2019, correspondendo ao limiar do rendimento abaixo do qual se considera que uma família se encontra em risco de pobreza, que se fixou em 5.427 euros. Já a taxa de privação material severa (que corresponde à impossibilidade de acesso a um conjunto de necessidades económicas e bens duráveis) fixou-se em 11% na Madeira. Por sua vez, o rendimento líquido anual na Madeira ficou fixado em 9.045 euros, correspondendo sensivelmente ao ordenado mínimo regional mensal.
Tudo isto obriga-nos a refletir profundamente sobre este tema. Por um lado, assiste-se na última década a números anuais estáveis no desemprego, à volta de 17 a 19 mil desempregados, correspondendo sensivelmente entre 7 a 9% da população ativa. Por outro, e conforme tem sido público, o número de assistência social à população, quer na proteção no desemprego e/ou na procura de oportunidades, quer na atribuição de apoio alimentar, financeiro ou habitacional direto às famílias mais carenciadas, tem vindo a subir, o que obriga a um maior dispêndio necessário do erário público. Se é verdade que a oferta de emprego tem vindo a subir, também não nos podemos esquecer que grande parte corresponde à oferta de rendimentos iguais ou próximos ao ordenado mínimo regional que, por sua vez, é perigosamente bem próximo ao somatório de muitos outros apoios sociais (RSI, pensões sociais, complementos, bonificações, subsídios, etc) que são atribuídos às famílias mais desfavorecidas.
Perante tudo isto, facilmente se depreende que muitos preferem ficar a receber um pouco menos, mas evitar a obrigação do cumprimento de um horário de trabalho e respetivas tarefas diárias que, por sua vez, os fariam perder grande parte dos apoios sociais. Não há forma de evitar esta discussão já que isto não é um assunto novo, mas uma consequência de mecanismos de apoio social que, na maior parte dos casos, funcionam bem melhor que a valorização salarial num mercado de trabalho. Estando nós em plena campanha eleitoral é mais uma importante oportunidade para que se reflita sobre como valorizar quem trabalha e formas para potenciar as empresas e os seus funcionários, enquanto se reencaminha os apoios sociais para quem deles precisa.
Luís Miguel Rosa escreve ao domingo, de 2 em 2 semanas