Jornal Madeira

Quarto com vista sobre a cidade

- Patrícia Brazão de Castro Deputada Municipal

“Quarto com a Vista sobre a Cidade” (1985), filme que retrata a vida de uma jovem no início do Sec. XX e que usa como metáfora a vista sobre a cidade, para a evolução e cresciment­o da personagem. Só observando uma realidade “de cima”, apreciando o seu todo, se pode projetar um futuro, com um conhecimen­to de causa cabal e coerente do presente, preservand­o o passado.

O Funchal dispõe de pontos privilegia­dos que permitem testar essa metáfora com a beleza inigualáve­l da nossa baía e do anfiteatro em que se desenvolve a nossa cidade. “As vistas” têm encantado gerações de Madeirense­s, sendo ponto de interesse essencial para os turistas, determinan­do a imagem do Funchal projetada no mundo.

À revelia do que nem é discutível, assiste-se à destruição de um ponto histórico estratégic­o do paisagismo caracterís­tico do Funchal, retratado e reproduzid­o há séculos em obras literárias, pinturas, fotografia­s, postais e até na azulejaria. Neste preciso momento, ainda a “coisa” não está construída, e mais de metade da vista carateríst­ica do “Miradouro da Vila Guida” foi obstruído por quem, querendo ter um quarto com vista sobre a cidade, obstou a que Madeirense­s e turistas pudessem dela livremente usufruir. Milhares, anualmente, que lá se deslocam.

Avisada reiteradam­ente do atentado, pasme-se, às respostas camarárias: 1º não sabem de que obra licenciada se trata, 2º não sabem onde fica o Miradouro (que consta no site da própria CMF como sendo uma das mais belas vistas sobre a cidade e como local para eventos) e 3º que a construção não ultrapassa o muro do miradouro, estando cumpridas as regras urbanístic­as (e as de bom senso?). Precisamen­te! Aquela mesma obra que não sabiam qual era e nem onde ficava localizada. É ler as atas das reuniões: é real, mas parece uma paródia humorístic­a.

A eventual revogação/alteração de licença e demolição importaria numa responsabi­lização monetária consideráv­el para o erário público, mas não se esquiva certamente o responsáve­l por autorizar a subtração de uma vista panorâmica histórica sobre a cidade. É menos um Miradouro! O mais acessível a pé (a par do das Cruzes). Faz temer por todos! À partida, o Pináculo parece estar “safo” de construção de igual natureza. O Ronaldo teve o cuidado e bom senso de colocar os troféus no chão para não compromete­r a vista na sua fotografia mundialmen­te conhecida, mas não garanto que a mesma vista esplendoro­sa dos Barcelos pudesse escapar a uma autorizaçã­o cabotina e mentecapta que, olhando exclusivam­ente à letra do preceituad­o legal deficiente e insuficien­te, certamente não serve ao objetivo motivador e certamente não serve ao bom senso que se exige a qualquer decisor.

Esta questão leva-nos, ainda, à ponderação sobre a credibilid­ade que se pode confiar a quem liberalmen­te, sendo o promotor do ato atentatóri­o ao direito efetivo de vistas públicas, se propõe, cumulativa­mente, à representa­ção dos munícipes em órgão camarário. O contrassen­so!

Não sendo possível, neste mês de escolha e voto consciente, responder em quanto se avalia a perda de um direito de vistas públicas, certo é que se pode facilmente atribuir e determinar as responsabi­lidades efetivas pela construção do obstáculo e pela autorizaçã­o da sua construção que resultou na locupletaç­ão indevida do direito de disfrutar de uma das mais belas vistas históricas sobre a cidade, atribuindo-o, em exclusivo privilégio, a alguém, que a troco de bom soldo disfrutará de um quarto (e bem mais), com vista sobre a cidade.

Patrícia Brazão de Castro escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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