Quarto com vista sobre a cidade
“Quarto com a Vista sobre a Cidade” (1985), filme que retrata a vida de uma jovem no início do Sec. XX e que usa como metáfora a vista sobre a cidade, para a evolução e crescimento da personagem. Só observando uma realidade “de cima”, apreciando o seu todo, se pode projetar um futuro, com um conhecimento de causa cabal e coerente do presente, preservando o passado.
O Funchal dispõe de pontos privilegiados que permitem testar essa metáfora com a beleza inigualável da nossa baía e do anfiteatro em que se desenvolve a nossa cidade. “As vistas” têm encantado gerações de Madeirenses, sendo ponto de interesse essencial para os turistas, determinando a imagem do Funchal projetada no mundo.
À revelia do que nem é discutível, assiste-se à destruição de um ponto histórico estratégico do paisagismo característico do Funchal, retratado e reproduzido há séculos em obras literárias, pinturas, fotografias, postais e até na azulejaria. Neste preciso momento, ainda a “coisa” não está construída, e mais de metade da vista caraterística do “Miradouro da Vila Guida” foi obstruído por quem, querendo ter um quarto com vista sobre a cidade, obstou a que Madeirenses e turistas pudessem dela livremente usufruir. Milhares, anualmente, que lá se deslocam.
Avisada reiteradamente do atentado, pasme-se, às respostas camarárias: 1º não sabem de que obra licenciada se trata, 2º não sabem onde fica o Miradouro (que consta no site da própria CMF como sendo uma das mais belas vistas sobre a cidade e como local para eventos) e 3º que a construção não ultrapassa o muro do miradouro, estando cumpridas as regras urbanísticas (e as de bom senso?). Precisamente! Aquela mesma obra que não sabiam qual era e nem onde ficava localizada. É ler as atas das reuniões: é real, mas parece uma paródia humorística.
A eventual revogação/alteração de licença e demolição importaria numa responsabilização monetária considerável para o erário público, mas não se esquiva certamente o responsável por autorizar a subtração de uma vista panorâmica histórica sobre a cidade. É menos um Miradouro! O mais acessível a pé (a par do das Cruzes). Faz temer por todos! À partida, o Pináculo parece estar “safo” de construção de igual natureza. O Ronaldo teve o cuidado e bom senso de colocar os troféus no chão para não comprometer a vista na sua fotografia mundialmente conhecida, mas não garanto que a mesma vista esplendorosa dos Barcelos pudesse escapar a uma autorização cabotina e mentecapta que, olhando exclusivamente à letra do preceituado legal deficiente e insuficiente, certamente não serve ao objetivo motivador e certamente não serve ao bom senso que se exige a qualquer decisor.
Esta questão leva-nos, ainda, à ponderação sobre a credibilidade que se pode confiar a quem liberalmente, sendo o promotor do ato atentatório ao direito efetivo de vistas públicas, se propõe, cumulativamente, à representação dos munícipes em órgão camarário. O contrassenso!
Não sendo possível, neste mês de escolha e voto consciente, responder em quanto se avalia a perda de um direito de vistas públicas, certo é que se pode facilmente atribuir e determinar as responsabilidades efetivas pela construção do obstáculo e pela autorização da sua construção que resultou na locupletação indevida do direito de disfrutar de uma das mais belas vistas históricas sobre a cidade, atribuindo-o, em exclusivo privilégio, a alguém, que a troco de bom soldo disfrutará de um quarto (e bem mais), com vista sobre a cidade.
Patrícia Brazão de Castro escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas