Adiada leitura do acórdão do julgamento dos Comandos
A procuradora Isabel Lima alterou, no último dia das alegações finais, a acusação dos 539 crimes que levaram 19 arguidos a julgamento por abuso de autoridade por ofensas à integridade física.
A leitura do acórdão do julgamento do processo dos Comandos, relativo à morte de Dylan da Silva e do madeirense Hugo Abreu, em 2016, foi ontem adiada devido a problemas técnicos de gravação no Tribunal de Monsanto, em Lisboa.
O acórdão relativo à morte dos dois recrutas estava para ser proferido esta segunda-feira, tendo a procuradora em julgamento pedido a condenação de cinco dos 19 arguidos a penas de prisão entre os dois e 10 anos.
Nas alegações finais de julgamento, iniciadas a 7 de maio passado no Tribunal do Monsanto, Lisboa, a procuradora Isabel Lima considerou que o instrutor dos Comandos Ricardo Rodrigues cometeu abuso de autoridade com ofensa à integridade física, com perigo de vida, pedindo ao tribunal que este militar seja punido com pena de prisão até 10 anos.
A procuradora considerou que competia ao instrutor Ricardo Rodrigues "zelar pela segurança e saúde dos instruendos", mas que "não agiu" dessa forma, "potenciando o perigo para a vida do instruendo [Hugo Abreu]".
Quanto ao médico Miguel Domingues, também acusado de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, o Ministério Público pediu uma condenação a cinco anos de prisão, pena passível de ser suspensa na execução.
Quanto ao diretor da "prova zero", tenente-coronel Mário Maia, a procuradora pediu a sua condenação a uma pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período.
Igual pena suspensa de dois anos de prisão foi pedida para os arguidos Pedro Nelson Morais, Pedro Fernandes e Lenate Inácio. Não foi pedida condenação para os restantes arguidos.
Ricardo Sá Fernandes, advogado da família de Dylan de Silva e Hugo Abreu, foi mais exigente e pediu a condenação de oito militares, incluindo o médico Miguel Domingues e os comandantes da prova e do Regimento dos Comandos.
Segundo o advogado, este julgamento "deve servir para modelar a execução da 'prova zero'", por forma a que "o caso não se repita", sublinhando que, apesar da natural dureza desta prova dos Comandos, há "vários limites que não se podem ultrapassar", como, por exemplo, "as pessoas [instruendos] com castigo serem atirados às silvas".
Sá Fernandes pediu a condenação de oito militares que interagiram com os instruendos mortos, mas não excluiu que outros dos acusados possam vir também a ser condenados por situações que envolveram outros recrutas que tiveram que ser internados.
O advogado alegou que a prova devia ter sido suspensa pelas 14h00, quando a temperatura do ar era de 40 graus, numa altura em que existiam instruendos a cambalear, outros a vomitar e outros a desistir, não dispondo a prova de uma tenda médica com refrigeração, nem outras condições necessárias para acolher tantos recrutas debilitados e desidratados devido ao racionamento de água.
A defesa do tenente-coronel Mário Maia, diretor da prova dos Comandos, pediu a absolvição de todos os arguidos, justificando as fatalidades por "golpe de calor".
Alexandre Lafayette, que é também mandatário do sargento instrutor Ricardo Rodrigues, criticou as conclusões da procuradora Isabel Lima), da procuradora da investigação (Cândida Vilar), bem como as alegações de Ricardo Sá Fernandes e a investigação da Polícia Judiciária Militar, então dirigida por Vasco Brazão.
O adiamento da leitura não fixou uma nova data, uma vez que a juíza anunciou antes que iria comunicar uma alteração dos factos do processo.
Uma vez que os problemas técnicos impediam a gravação, os advogados de defesa e assistentes concordaram que a comunicação dessa alteração pela juíza poderia ser feita por despacho através da plataforma Citius.
Se a alteração dos factos for substancial, poderá haver lugar a pedido de novas diligências, razão pela qual não há por agora uma nova data para a leitura do acórdão.
Dylan da Silva e Hugo Abreu, à data dos factos com 20 anos, morreram e outros instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados durante a “prova zero” (primeira prova do curso de Comandos), que decorreu em Alcochete, Setúbal, a 4 de setembro de 2016.
Oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos dos Comandos, a maioria instrutores, foram acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física. Segundo a acusação, os arguidos atuaram com “manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram nos ofendidos”.