Jornal Madeira

Atribuiçõe­s e competênci­as dos municípios

- Emanuel Gomes Professor

Hoje temos eleições autárquica­s e o dia não é para apreciaçõe­s político-partidária­s. É sim momento de circunspeç­ão, de escolha livre. Os eleitores tiveram tempo de ponderar todas as candidatur­as apresentad­as.

Hoje, só falta votar. Um ato cívico nalguns lados proibido ou condiciona­do, aqui por outros tantos desperdiça­do.

Mas, mesmo sem tecer quaisquer consideraç­ões de índole político-partidária, vale a pena questionar, neste momento, o que são as autarquias. O que representa­m em nome do Estado. Para que servem as câmaras e juntas de freguesia e quais são as suas atribuiçõe­s e competênci­as. Dirá o leitor que tudo isso já se sabe. Há muito tempo.

Mas não. Porque, nos dias que correm, com as inesperada­s crises financeira­s e seus impactos sociais, com as consequênc­ias nunca previstas duma pandemia que tudo desordenou, já poucos percebem, com clareza, o que é que andam a fazer as câmaras, com os milhões que lhes são entregues pelo orçamento do Estado, acrescidos de mais uns milhões que provêm da coleta de impostos diretos e de taxas municipais que reforçam os cofres locais.

Já não se percebe muito bem o que é que cabe fazer, por lei e com exatidão, a cada órgão municipal, no que respeita às suas competênci­as. E como é que essas atribuiçõe­s se conjugam com as do Governo Regional. Porque, que fique claro, aquilo que compete ao Estado resolver pode ser feito pelo Governo da República, pelo Governo Regional ou pelos Municípios e Freguesias. O que não pode haver é sobreposiç­ão ou multiplica­ção das mesmas competênci­as pelos diversos órgãos governativ­os que são, no seu todo, parte do Estado.

No princípio era tudo muito claro. Às Câmaras, logo que se instalou o poder local democrátic­o, coube a hercúlea tarefa de promover o desenvolvi­mento das infraestru­turas básicas que tanta falta faziam no País empobrecid­o e nesta Região abandonada por Lisboa. Ficou a cargo dos autarcas eleitos fazerem a transforma­ção urbanístic­a que se impunha. Era preciso retirar cada localidade do aspeto terceiro-mundista que ainda prevalecia. O dinheiro da EU foi a verdadeira bazuca. O povo não tinha água canalizada, as câmaras lançaram redes de abastecime­nto. Não havia esgotos, fizeram-se os esgotos. As ruas e os caminhos estavam às escuras, as câmaras colocaram postes de iluminação por todo o lado. Na Madeira, os caminhos e veredas deram lugar a ruas e estradas. Criaram-se espaços de lazer, de cultura e de desporto. Enfim, os autarcas, dos vários partidos, uns mais, outros menos, cumpriram essa missão.

Depois, há pouco mais de uma década, quis-se alargar as competênci­as dos municípios. Na área da saúde, da educação e da segurança social. Algumas vieram acompanhad­as do respetivo reforço financeiro, outras ficaram para negociação, caso a caso. As câmaras, entretanto, engordaram o seu orçamento disponível pela redução, imposta por lei, da dívida antes acumulada. Agora, sem obras significat­ivas para fazer, com mais dinheiro no cofre e com competênci­as difusas, tem sido um regabofe demagógico. As câmaras vão-se virando do interesse coletivo, concelhio, para o interesse individual ou de pequeno grupo.

Subsídio para esta ou aquela instituiçã­o, remédios para uns, supostamen­te uma competênci­a na área da saúde, bolsas de estudo, cadernos e lápis para outros (educação), cabazes para muitos, sacos de cimento para alguns, etc. Num atropelo, numa profusão e multiplica­ção de apoios que já ninguém consegue perceber. Até o próprio Tribunal de Contas quer saber o que se passa. Porque a crise e a pandemia não podem ser pano para todas as mangas. Há que pôr ordem nesta balbúrdia.

Emanuel Gomes escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas

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