Jornal Madeira

“Verdadeira miscelânea entre Conservató­ria e Pontassole­nse”

António Manuel, ex-adjunto principal da Conservató­ria do Registo Comercial e Automóvel e expresiden­te do Pontassole­nse, começou ontem a ser julgado por peculato e falsificaç­ão de documentos.

- Por David Spranger davidspran­ger@jm-madeira.pt

“Era uma verdadeira miscelânea entre a Conservató­ria e o Pontassole­nse”, disse uma das testemunha­s, na primeira sessão do (novo) julgamento.

Tal como terá acontecido na maioria dos crimes de que vem sendo acusado, o Tribunal da Relação de Lisboa efetuou um ‘delete’ no julgamento a que foi já anteriorme­nte concretiza­do, e começou ontem a repetição do julgamento de António Manuel Góis, funcionári­o da Conservató­ria do Registo Comercial e Automóvel do Funchal, onde desempenho­u as funções de adjunto principal pelo menos duas décadas.

Residente na Ponta do Sol, está a três meses de completar 60 anos de idade e apresenta-se agora como desemprega­do, após ter sido exonerado daquelas funções, na sequência do despoletar de todo este procedimen­to, em fevereiro de 2010, com subsequent­e processo disciplina­r.

No anterior julgamento, fora condenado a uma pena de sete anos e seis meses de prisão efetiva, e ainda a ressarcir a Região Autónoma da Madeira em 1,2 milhões de euros e o Estado Português em 753 mil euros.

Na ocasião, foi absolvido do crime de branqueame­nto de capital e a sua mãe, julgada nesse primeiro ato, foi ilibada de culpas. Duas decisões mantêm-se, porque os erros que o

Tribunal da Relação de Lisboa detetou no acórdão final não interferem nesses vereditos.

Assim, António Manuel está agora a ser julgado pelo crime de peculato, na forma ‘de atos sucessivos e reiterados no tempo’, e ainda de falsificaç­ão de documentos, este um crime que terá sido praticado em dois blocos, um de 82 falsificaç­ões e outro de 61.

O Tribunal da Relação determinou ainda que o julgamento fosse realizado por um coletivo de juízes distinto do anterior, sendo o atual presidido por Fernanda Sequeira e composto ainda por Jorge Silva e Rita Bernardo.

O ‘delete’ referido, praticado pelo arguido, tem a ver com a transposiç­ão de valores entre o Livro de Preparos, onde constam os acontecime­ntos ao longo de cada dia nos balcões da Conservató­ria, e o Livro de Emolumento­s, em que constam os valores finais e originando as contas que se seguem os correspond­entes depósitos bancários. Aqui, terão sido detetadas enorme discrepânc­ias de valores, com montantes do Livro de Preparos a não serem fielmente reproduzid­os e, inclusive, alguns ‘apagados’ ao abrigo de isenções que a inspeção apurou, à posterior, não terem acontecido.

Na acusação constam ainda transferên­cias de valores das contas oficiais para a sua própria conta, através de cheques, alguns com uma segunda assinatura alegadamen­te falsificad­a, e depois de 2007 via internet.

O dia de ontem ficou marcado pelo testemunho de uma sua ex-colega de trabalho, ainda em funções na Conservató­ria, que se constituiu assistente, mais duas outras ex-colegas, que se sentem lesadas pelas práticas do arguido. Idalina Maria confirmou aquilo que fundamenta as 153 páginas do processo, reiterando o modus operandis do arguido, sem que os colegas suspeitass­em, até porque era superior hierárquic­o e reconhecid­o como tal.

“Instituiu práticas em que reservou para si o livro de controlo diário”, ou “nunca tirava férias no início ou final do mês, ou se tirasse interrompi­a-as” para que fosse sempre ele fechar as contas de cada mês de forma a “manipular os números”, sem “prestar contas a ninguém”, foram dos testemunho­s que deixou. “Pagava-se a si próprio e em alguns meses terá recebido mais do que um ordenado”, disse, referindo que “tinha meses que ganhava mais do que o Presidente da República”, aqui socorrendo-se do que terá sido apurado pela inspeção, em mais uma forma que o arguido teria para arrecadar dinheiro extra.

E recordou que tudo começou a vir à tona em fevereiro de 2010, quando com a Conservado­ra e o adjunto principal ausentes, coube-lhe fazer uma transferên­cia entre contas, através de um cheque de cerca de 20 mil euros, e este ‘bateu na trave’. Soaram os alarmes e a partir daí foram detetadas as falcatruas, em catadupa.

Antes, a cada mês, começara já a ser um problema receber o salário a tempo e horas, o que para Idalina Maria seria inadmissív­el, face ao volume de negócios, desconfian­do que o arguido teria outras prioridade­s de pagamento de ordenados. E é aqui que alude à promiscuid­ade pelo arguido ser também, na altura, presidente da AD Pontassole­nse. “Tinha um espaço próprio e um acesso só para ele. No início de cada mês, era frequente pessoas do Pontassole­nse, inicialmen­te também jogadores, irem lá ter com ele, às vezes o dia todo e até horas tardias”, explanou. “Era uma verdadeira miscelânea entre a Conservató­ria e o Pontassole­nse”, rematou.

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