“Verdadeira miscelânea entre Conservatória e Pontassolense”
António Manuel, ex-adjunto principal da Conservatória do Registo Comercial e Automóvel e expresidente do Pontassolense, começou ontem a ser julgado por peculato e falsificação de documentos.
“Era uma verdadeira miscelânea entre a Conservatória e o Pontassolense”, disse uma das testemunhas, na primeira sessão do (novo) julgamento.
Tal como terá acontecido na maioria dos crimes de que vem sendo acusado, o Tribunal da Relação de Lisboa efetuou um ‘delete’ no julgamento a que foi já anteriormente concretizado, e começou ontem a repetição do julgamento de António Manuel Góis, funcionário da Conservatória do Registo Comercial e Automóvel do Funchal, onde desempenhou as funções de adjunto principal pelo menos duas décadas.
Residente na Ponta do Sol, está a três meses de completar 60 anos de idade e apresenta-se agora como desempregado, após ter sido exonerado daquelas funções, na sequência do despoletar de todo este procedimento, em fevereiro de 2010, com subsequente processo disciplinar.
No anterior julgamento, fora condenado a uma pena de sete anos e seis meses de prisão efetiva, e ainda a ressarcir a Região Autónoma da Madeira em 1,2 milhões de euros e o Estado Português em 753 mil euros.
Na ocasião, foi absolvido do crime de branqueamento de capital e a sua mãe, julgada nesse primeiro ato, foi ilibada de culpas. Duas decisões mantêm-se, porque os erros que o
Tribunal da Relação de Lisboa detetou no acórdão final não interferem nesses vereditos.
Assim, António Manuel está agora a ser julgado pelo crime de peculato, na forma ‘de atos sucessivos e reiterados no tempo’, e ainda de falsificação de documentos, este um crime que terá sido praticado em dois blocos, um de 82 falsificações e outro de 61.
O Tribunal da Relação determinou ainda que o julgamento fosse realizado por um coletivo de juízes distinto do anterior, sendo o atual presidido por Fernanda Sequeira e composto ainda por Jorge Silva e Rita Bernardo.
O ‘delete’ referido, praticado pelo arguido, tem a ver com a transposição de valores entre o Livro de Preparos, onde constam os acontecimentos ao longo de cada dia nos balcões da Conservatória, e o Livro de Emolumentos, em que constam os valores finais e originando as contas que se seguem os correspondentes depósitos bancários. Aqui, terão sido detetadas enorme discrepâncias de valores, com montantes do Livro de Preparos a não serem fielmente reproduzidos e, inclusive, alguns ‘apagados’ ao abrigo de isenções que a inspeção apurou, à posterior, não terem acontecido.
Na acusação constam ainda transferências de valores das contas oficiais para a sua própria conta, através de cheques, alguns com uma segunda assinatura alegadamente falsificada, e depois de 2007 via internet.
O dia de ontem ficou marcado pelo testemunho de uma sua ex-colega de trabalho, ainda em funções na Conservatória, que se constituiu assistente, mais duas outras ex-colegas, que se sentem lesadas pelas práticas do arguido. Idalina Maria confirmou aquilo que fundamenta as 153 páginas do processo, reiterando o modus operandis do arguido, sem que os colegas suspeitassem, até porque era superior hierárquico e reconhecido como tal.
“Instituiu práticas em que reservou para si o livro de controlo diário”, ou “nunca tirava férias no início ou final do mês, ou se tirasse interrompia-as” para que fosse sempre ele fechar as contas de cada mês de forma a “manipular os números”, sem “prestar contas a ninguém”, foram dos testemunhos que deixou. “Pagava-se a si próprio e em alguns meses terá recebido mais do que um ordenado”, disse, referindo que “tinha meses que ganhava mais do que o Presidente da República”, aqui socorrendo-se do que terá sido apurado pela inspeção, em mais uma forma que o arguido teria para arrecadar dinheiro extra.
E recordou que tudo começou a vir à tona em fevereiro de 2010, quando com a Conservadora e o adjunto principal ausentes, coube-lhe fazer uma transferência entre contas, através de um cheque de cerca de 20 mil euros, e este ‘bateu na trave’. Soaram os alarmes e a partir daí foram detetadas as falcatruas, em catadupa.
Antes, a cada mês, começara já a ser um problema receber o salário a tempo e horas, o que para Idalina Maria seria inadmissível, face ao volume de negócios, desconfiando que o arguido teria outras prioridades de pagamento de ordenados. E é aqui que alude à promiscuidade pelo arguido ser também, na altura, presidente da AD Pontassolense. “Tinha um espaço próprio e um acesso só para ele. No início de cada mês, era frequente pessoas do Pontassolense, inicialmente também jogadores, irem lá ter com ele, às vezes o dia todo e até horas tardias”, explanou. “Era uma verdadeira miscelânea entre a Conservatória e o Pontassolense”, rematou.