Jornal Madeira

Os bons e os maus vizinhos

- Gil Rosa Jornalista

Por um palmo de terra se comprava uma guerra na vizinhança. Nos dias de hoje certamente já não será assim. Mas em tempos não muito longínquos já foi.

Por norma as relações de vizinhança eram boas. Quem vivia por perto tinha sempre um grande espírito solidário. Na maior parte das vezes os vizinhos cooperavam uns com os outros, mas lá vinha um dia em que tudo dava para o torto.

“Mais vale o mau ano do que um mau vizinho”, é um ditado popular que acaba por fazer algum sentido.

Os problemas de partilhas – onde a terra de cada um acaba e começa a do outro – eram geradores de conflitos.

Bastava por vezes apanhar uma pouco de erva, para o gado, para além da linha que delimitava a propriedad­e de cada um para começar a “guerra”. Os conflitos por norma verbais, subiam de tom e em muitas situações chegavam a “vias de facto”. Nessa altura todos os terrenos eram aproveitad­os até ao último centímetro. Uma questão que não se coloca nos dias de hoje. Onde o abandono das terras quase que as coloca nas mãos de ninguém.

O mesmo acontecia na hora da rega. A “água de giro”, também dava origem a conflitos. Nos dias quentes e quando era mais escassa, se alguém se atrevesse a não respeitar a hora de rega do outro, a briga podia surgir.

Casos pontuais à parte, na maioria das situações os vizinhos eram bons amigos. Cooperavam em muitas tarefas. O espírito de comunidade falava quase sempre mais alto.

Na minha zona era frequente a vizinhança juntar-se para ajudar em várias tarefas, onde a quantidade de mão-de-obra fazia toda a diferença.

São muitos os exemplos.

Quanto era necessário proceder ao descascar do feijão seco, que era uma tarefa morosa, era frequente juntar a vizinhança, num ambiente quase de festa que se prolongava pela noite dentro. Por entre muita risota e boa disposição o trabalho realizava-se. O mesmo acontecia por exemplo com a desfolha do milho.

Também era uma operação normalment­e realizada à noite num quarto lá da casa, improvisad­o para receber tanta maçaroca.

As colaboraçõ­es eram diversas. As vizinhas – sobretudo as vizinhas – também por altura do Natal e da matança do porco, vinham ajudar a limpar o “debulho”. Um trabalho onde a grande capacidade de resistênci­a ao mau cheiro era posta à prova. Uma iguaria que nos dias de hoje – por falta de mão-de-obraquase que ninguém faz. Claro que nessa altura uns dias depois também surgia o convite para um pequeno banquete com a sopa feita com essas tripas.

Casos pontuais à parte, na maioria das situações os vizinhos eram bons amigos.

A ajuda dos vizinhos também era solicitada para a renovação da cobertura das casas de colmo. Era um trabalho onde também era necessária muita gente para ajudar.

O mesmo acontecia por exemplo quando alguém construía ou ampliava a sua casa.

No dia da “laje” ou “terraço” eram necessário­s muitos braços para ajudar. Nessa altura não havia a maquinaria que existia hoje. A “massa”, o betão era todo feito à mão e da mesma forma transporta­do casa cima para colocar no terraço. Trabalho duro, mas feito de forma gratuita à conta da grande colaboraçã­o que existia entre todos.

Os problemas com boa ou má vizinhança sempre existiram e vão continuar a existir. Os tempos mudam, mas as relações entre pessoas, por vezes por coisas menores assumem contornos quase que irracionai­s.

Gil Rosa escreve à quinta-feira, de 4 em 4 semanas

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