Jornal Madeira

Atlântida perdida

- Alves dos Santos alves.dos.santos.escritor@gmail.com

Entre tu e eu, o que há cada vez mais é distância. Mesmo se tudo o que eu procure é um reencontro que nunca se dá. Entre tu e eu, o que aumenta é a saudade e sempre a distância. E não me lembro mais que tempo tem desde a última vez que te vi.

Mas quero-te imaginar, ainda assim, imutável, alheada de todos os fatores exógenos - sejam eles humanos ou de qualquer outro tipo - que nos mudam de fora para dentro, resistindo à degradação que o tempo provoca.

E é verdade que nunca me senti tão seguro quando abraçado pelas tuas escarpadas colinas que estreitava­m as vistas mas expandiam a imaginação.

E, sendo também certo que nunca houve correspond­ência entre o mundo que sonhei e aquele que vim a encontrar, nunca supus tão árduo este retorno até onde te deixei.

Baralhei-me, quiçá, com a geografia ou porventura talvez me esteja a regular por uma bússola desnortead­a.

Vou para Sul quando devesse talvez ir para Norte.

Vou para Este enquanto tu permaneces no teu Ocaso.

Percorro em delírio o globo, constatand­o a inconstânc­ia da humanidade e a minha também!

Tornei-me talvez estrangeir­o de mim próprio, migrante em todas as terras, com mala sempre pronta e as botas sempre junto à porta.

O eco dos meus passos furtivos não despertam mais inquietos corações, a minha partida é já dada como adquirida e não há mais planos para amanhã feitos a contar comigo.

Habituei-me a tudo isso mas não há como não confessar que te ter a me aguardar pela noite adentro era acalmia que mitigava o medo de não ter para onde ou quem regressar.

Descubro neste meu percurso rostos que nunca conhecerei, atravesso infindávei­s desertos, percorro extensas tundras tão geladas quanto eu e navego por entre infinitas ilhas. Mas nenhuma comparável a ti. Tu és delírio e invocação.

E invocação é chamamento contínuo, é ar que flui incontido e convertido a viajante errante que segue para onde tenha que ir sem se prestar a justificaç­ões. Mas é também grito de socorro a que ninguém acode.

Interrogo-me se existe ainda a ilha que procuro e pela qual anseio. Talvez não tenha jamais existido, talvez se tenha desvanecid­o da face da terra para todo o sempre. Ou talvez existisse apenas na minha imaginação e a tenha cristaliza­do na minha memória numa versão que é só minha e que continua sem ter relação com esta realidade.

Se assim for, esta ilha existe já só em mim e tudo o que eu preciso para a redescobri­r é me voltar a encontrar.

Interrogo-me se existe ainda a ilha que procuro e pela qual anseio.

E serei então homem-ilha, perdido para o mundo e reencontra­do em si.

Há tanto de que perdi memória, tanta recordação que se desvaneceu sem deixar marca mas não esqueci nunca o nome da ilha pérola.

Consigo localizá-la no mapa e juro ter ideia de até já lá ter voltado.

Era a ilha do mapa, era a ilha com o nome certo e era lá que estava todo o meu tesouro.

Mas nunca mais voltei a senti-la verdadeira­mente minha. E não sei mais se és ilha submersa ou se sou eu que me afogo nesta demanda.

Alves dos Santos escreve à quinta-feira de 4 em 4 semanas

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