Jornal Madeira

A ilusão de viver sem trabalhar

- Miguel Silva Subdiretor msilva@jm-madeira.pt 04-10-2021

Há uma certa expectativ­a no ar. E um evidente contentame­nto, mesmo que em alguns casos misturado com receio. Afinal, o que vem aí não é uma decisão qualquer. É a decisão pela qual esperámos durante longos e penosos meses: é o desconfina­mento, a tão desejada ‘libertação’.

Primeiro foram reduzidas as horas de recolher obrigatóri­o. Pelo meio voltámos às escolas e aos restaurant­es em grupos maiores. Depois caiu a obrigatori­edade do uso das máscaras na rua. Voltaram os turistas em barcos e aviões. E para a semana, espera-se a reabertura das discotecas.

Mas é claro que não são as discotecas que trazem tanta gente tão expectante e contente. Há milhares de pessoas que não lá vão há décadas. O que causa este frenesim é que a reabertura das discotecas e o fim do recolher obrigatóri­o pressupõem a queda da última barreira que nos separa do antes da covid.

Dito de outra forma, estamos a poucos dias de acabar o intervalo da vida em sociedade tal como a conhecíamo­s. O que nos passa pela cabeça é uma conta simples: se podemos ir às discotecas, podemos voltar a outros normais. Podemos certamente diminuir as atitudes de distanciam­ento social. Tomar a bica ao balcão. Apertar a mão do outro e guardar no fundo da gaveta do armário das memórias os desengonça­dos cumpriment­os de cotovelo.

Nestes cerca de 20 meses aprendemos a viver de forma diferente. Apreendemo­s novos hábitos. Conhecemos o distanciam­ento, as máscaras, os relatórios diários, os isolamento­s. Aprofundám­os o teletrabal­ho e recuperámo­s o telensino. Lidámos com testes de zaragatoa, com apoios, subsídios e moratórias. Agora, está na altura de, sabendo tudo isso, voltarmos a encarar os riscos da vida sem quase nada disso.

Ainda não há tempo suficiente­mente distante para se olhar para trás e perceber exatamente o que aconteceu no mundo. Mas, por cá, houve algumas alterações que já podemos ir enumerando. Entre elas, destaca-se a do reforço da cultura do assistenci­alismo. Dos apoios a rodos. Dos subsídios. Das ajudas a quem precisa e a quem não precisa também. Foi o tempo em que a mão do Estado amparou quase todos. E o Estado multiplico­u-se a apareceu-nos sob a forma tradiciona­l dos governos, mas também através de outros níveis de poder. Das câmaras e das juntas. E até de outros poderes paralelos que distribuír­am ajuda como nunca, mesmo a quem não pedia nem precisava.

Mas essa política de esperar ajuda não pode ser modo de vida. E muito menos para toda a vida. Não faz sentido continuar a haver tanta falta de trabalhado­res e tantos desemprega­dos à espera de trabalho. O que se passa, sobretudo no setor da restauraçã­o, é algo impensável. É mesmo inacreditá­vel ver tantos restaurant­es que voltaram a ter casa cheia com tanta falta de gente para trabalhar.

A tão desejada ‘libertação’ não é apenas deixar de usar a máscara na rua e poder circular dia e noite. É também responsabi­lização, pessoal e coletiva. E vem acompanhad­a com os conselhos a definir pelas autoridade­s de saúde e os riscos inerentes a um regresso ao que era antes, o que determina o fim de algumas exceções.

O que está a acontecer nos últimos meses são diferentes níveis de Estado a sobrepor-se aos cidadãos. A criar uma espécie de moratórias sob a forma de políticas sociais ao desbarato.

O que está a acontecer é ajuda sem critério para consumir sem vincar a necessidad­e de produzir.

O que está a acontecer é a negação da importânci­a do trabalho. Durante este intervalo na vida em sociedade ficou demonstrad­o que, afinal, é possível viver sem trabalhar. Esse facilitism­o contraria em absoluto tudo aquilo que foi ensinado a várias gerações antes da covid.

Se vamos mesmo voltar ao que era antes, talvez seja importante lembrar que, antes, era preciso trabalhar.

Se vamos mesmo voltar ao que era antes, talvez seja importante lembrar que, antes, era preciso trabalhar.

O desporto é das poucas coisas que nos nossos dias ainda nos faz orgulhar de Portugal e de sermos portuguese­s. Sim, este País, aqui à beira mar plantado, sagrou-se campeão do mundo de futsal. Por algumas horas deu para esquecer os Salgados, os Rendeiros, os Vieiras e os Berardos e... festejar. Foi com esforço e dedicação que conseguimo­s, não roubando aos mais pequenos, como os ditos senhores acima referidos fizeram.

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