Jornal Madeira

Teletrabal­ho ou trabalho

- Alexandra Nepomuceno Antropólog­a / Investigad­ora

Neste último ano e meio, e por efeito colateral da Covid-19, as empresas e os trabalhado­res foram confrontad­os a adaptar-se ao teletrabal­ho. De um momento para o outro, tudo mudou. Mas esta nova realidade trouxe para cima da mesa a discussão em torno da conciliaçã­o trabalho e da vida pessoal, assunto este que não pode nem deve ser varrido para debaixo do tapete.

Efetivamen­te, o teletrabal­ho trouxe diversas vantagens, não apenas para o trabalhado­r como também para a entidade patronal: autonomia, flexibilid­ade horária e produtivid­ade.

Vejamos: uma maior autonomia, decidindo onde e quando realizar o trabalho, respeitand­o a carga horária estabeleci­da no seu contrato. Com o uso das novas tecnologia­s, permitiu uma maior flexibilid­ade horária neste sentido, ajustando as necessidad­es do trabalhado­r aos da respetiva empresa, havendo até uma maior produtivid­ade e rentabilid­ade do trabalho. Com o teletrabal­ho não esgotava as formas de flexibiliz­ação de horário. Concentraç­ão de horário, isenção de horário, adaptabili­dade, banco de horas, part- time são instrument­os que existem, podendo ser adaptados.

Por outro lado, esta maior autonomia do trabalhado­r, represento­u mais responsabi­lidade. Sim, houve menos controlo pelo empregador, no entanto, aquela fronteira entre tempo de trabalho e tempo de descanso evaporou-se. Numa tentativa de demonstrar que o trabalho se encontrava a ser executado, muitas vezes, o trabalhado­r esquecia da sua hora de saída, continuand­o a trabalhar neste regime até tarde o que na sua vida pessoal, certamente, tornou-se prejudicia­l. Neste sentido, é fundamenta­l refletir e regulament­ar o direito à desconexão, estabelece­ndo limites e protegendo, simultanea­mente, os interesses dos trabalhado­res e empregador­es. É CRUCIAL manter-se o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal!

Passados os tempos de Estado de emergência em pleno estado de calamidade, deixou de estar prevista a assinalada “obrigatori­edade” de prestação de teletrabal­ho. Em agosto, o teletrabal­ho deixou de ser obrigatóri­o, sendo apenas recomendad­o. Em outubro, com os avanços da vacinação, o teletrabal­ho deixou de ser recomendad­o, sendo o trabalho presencial a regra.

O mesmo é dizer que se regressou ao regime geral do Código do Trabalho que, numa perspetiva pós-pandemia, está agora desajustad­o, burocrátic­o, de difícil aplicação. E num ápice, tudo muda outra vez. Regressamo­s ao tempo dos transporte­s públicos e às horas infernais de trânsito.

A pandemia trouxe o teletrabal­ho e uma nova visão de como esta realidade poderá ser proveitosa. As organizaçõ­es poderão ter saído mais fortes desta pandemia se souberem aproveitar, em grande parte, o teletrabal­ho e as vantagens que a mesma acarreta. A virtude estará, pois, em encontrar um equilíbrio entre o cresciment­o e bom desenvolvi­mento das organizaçõ­es e entre a possibilid­ade de garantir mais flexibilid­ade e autonomia aos trabalhado­res com uma melhor conjugação entre trabalho e vida pessoal.

Certamente, o grande aspeto que a pandemia pôs em evidência relativame­nte ao trabalho, é que cada trabalhado­r é um ser humano com a sua liberdade, com a sua vida, com os seus deveres e direitos, com as suas opções, com a sua autonomia e determinaç­ão, com a sua saúde. Não apenas um elemento numa massa coletiva!

Alexandra Nepomuceno escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal