Saúde mental e envelhecimento continuam a ser alvo de estigma
O ciclo de mesas redondas, organizadas pelo Observatório Regional de Saúde Mental, para assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental, termina hoje.
Envelhecer com saúde, em especial mental, é possível e cada vez mais premente, já que esta é a realidade que permeia cada vez mais a demografia da Região. Ainda assim, quer a temática do envelhecimento, quer a da saúde mental, que por si só são já áreas complexas, continuam a estar envoltas em estigmas e preconceitos e a necessitar de mais respostas.
Isso mesmo reconheceu ao JM Tânia Lourenço, enfermeira especialista em psiquiatria e saúde mental, em declaração à margem de mais uma mesa-redonda, intitulada ‘No crepúsculo da vida’, da iniciativa organizada pelo Observatório Regional de Saúde Mental da RAM (ORSM), para assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental.
De facto, no entender da profissional de saúde, que é também professora na Escola Superior de Enfermagem de São José de Cluny, há que ultrapassar a ideia de que esta não é uma fase da vida tão boa como as anteriores e de que as patologias do foro psicológico são normais nesta faixa etária.
“Tal como se falava cada vez mais na saúde mental nos jovens, também tem de se pensar na saúde mental do idoso”, começou por afirmar, lamentando que este tipo perturbações nesta franja da população continue a ser “subdiagnosticada, subvalorizada e subtratada”.
“Por exemplo, num idoso um quadro depressivo parecer ser normal. Eu acho que não, mas a sociedade acha que sim e, por isso, às vezes alguns sintomas clínicos, como um quadro depressivo, de ansiedade ou obsessivo, são subdiagnosticados quer pelo doente, quer pela família, quer pelos profissionais de saúde, quase como se diagnosticar uma depressão no idoso fizesse parte”, explicou, apontando que estas situações não são incomuns nas estruturas residenciais, nos centros de saúde e nos hospitais da Região.
É neste sentido que a docente considera que é cada vez mais importante apostar na promoção da saúde mental do idoso, bem como na sensibilização dos próprios profissionais de saúde para estas situações. “E essa promoção não se faz apenas dentro das instituições de saúde, faz-se ao haver recursos económicos, famílias que apoiem os idosos, interação social e as pessoas terem objetivos de vida… tudo isso é promover a saúde mental. Tornar o idoso mais ativo, de preferência dentro das suas famílias e de instituições que os apoiem”, acrescentou.
Tânia Lourenço ressalva, no entanto, que o Serviço Regional de Saúde, a Segurança Social, várias associações, lares e centros de dia têm procurado dar respostas a esta problemática. Ainda assim, é taxativa quando afirma que “ainda há um longo caminho a fazer”, até mesmo antes de chegar ao envelhecimento, reiterando a importância de consciencializar até os mais jovens para estas matérias.
Mudar a perspetiva
De igual modo, na sua intervenção, Rosalita de Sá, enfermeira, outras das convidadas desta iniciativa, também sublinhou a urgência em se mudar a perspetiva sobre o envelhecimento, mostrando-se entristecida com a pouca sensibilização em relação a esta área com que se tem deparado.
“Não há uma sensibilidade geral e há um estigma de que envelhecer e ser dependente é completamente normal. Não é normal e tem de mudar. É possível envelhecer de forma mais saudável, mesmo que haja limitações físicas ou múltiplas patologias. É possível envelhecer com alguma qualidade, dignidade, e que se mantenha a autonomia”, reiterou, lembrando que é importante atender não só às necessidades físicas destas pessoas, mas também às suas emoções e aos seus projetos de vida.
Apesar de congratular o facto de o acesso aos cuidados de saúde mental ser uma das metas da Estratégia Regional Promoção da Saúde Mental (ERPSAM), Rosalita de Sá não deixou de apontar que ainda existem alguns entraves e barreiras, dando o exemplo de algumas dificuldades no acesso a programas e a falta de centros de dia vocacionados para determinados tipos de patologia, como a demência, por já se encontrarem lotados e com longas listas de espera.