Jornal Madeira

Funchal, cidade querida

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Há uns anos, ouvi Manuel Ferreira Patrício descrever a “cidade querida” como sendo a cidade que se ama, mas também a cidade que se quer. Desde então, quando penso a cidade, o espaço urbano e o espaço público, penso sempre nestes termos: a cidade querida!

Fruto do resultado das eleições, o Funchal abriu-se ao futuro no passado dia 20, com a tomada de posse do novo executivo municipal, liderado por Pedro Calado.

Com a alternânci­a democrátic­a, entra um projeto político que promete acabar com o assistenci­alismo instalado, que criava uma teia de pequeníssi­mos interesses, assente na miséria alheia. Fica para trás a exploração da pobreza para efeitos propagandí­sticos. Acabou-se a manipulaçã­o dos interesses dos funchalens­es em favor do permanente terrorismo político ao Governo Regional. Deixa de haver a vitimizaçã­o que tentava ocultar a incapacida­de, a incompetên­cia, a inépcia. Terminou o tempo de fazer da capital madeirense o braço armado de António Costa na Madeira, contra os interesses dos Madeirense­s e, mais concretame­nte, dos Funchalens­es. A cidade deixou de ser a principal fonte de financiame­nto da propaganda socialista. Termina o tempo da política madeby google, cheia de frases feitas e clichés, que nada de novo ou de substancia­l traziam à cidade.

É um tempo de esperança este que agora inauguramo­s, mas é, simultanea­mente, um tempo de desafios. Um tempo de desassosse­go entusiasma­nte, uma vez que esta nova fase imprimirá novas dinâmicas que projetarão o Funchal no futuro.

Inevitavel­mente, muitos paradigmas terão de ser alterados: o modelo de desenvolvi­mento, as necessidad­es sociais e a prática política são algumas das áreas em que salta à vista que mudanças são indispensá­veis. Tão importante, para este executivo municipal, quanto o cumpriment­o das promessas eleitorais é a responsabi­lidade de pensar a cidade estrategic­amente. Depois de 8 anos de navegação à vista e desnorte, é fundamenta­l que o modelo progressis­ta e a atitude reformista, caracterís­ticas do PSD-M, voltem a orientar os destinos da cidade, perspetiva­ndo um futuro a médio prazo.

Henri Lefebvre, no seu «O direito à cidade», ensina-nos que a cidade e o espaço urbano não são coincident­es. Por cidade, entende o espaço físico e por urbano entende o intangível, a potência, o que pode ser. Podem convergir, criando o "espaço público", mas não coincidem. Já Bauman descrevia-os como o mundo sólido versus mundo líquido, ambos coexistind­o no espaço público. Falam da mesma coisa: a cidade querida é uma cidade humana e humanizada, inclusiva e acessível, em que o mundo líquido (homem) assume predominân­cia sobre o mundo sólido (da pedra). Todavia, sem pedra não há desenvolvi­mento e o tempo é de imprimir uma dinâmica agressiva para responder às dificuldad­es hodiernas. A cidade tem de crescer; tem de se desenvolve­r; tem de gerar uma nova dinâmica económica.

Mas a cidade querida não é apenas uma ideia romântica, é também uma cidade de estruturas e infraestru­turas, de edifícios e equipament­os. A cidade querida também se faz de pedra e de betão. E neste domínio, creio que é imprescind­ível que se volte a equacionar a construção em altura, por exemplo. Obviamente que não queremos torres gigantes na baía do Funchal. Mas não me choca nada o aparecimen­to de mini arranha-céus a partir do Ribeiro Seco. Aliás, numa cidade com um problema estrutural de falta de território, creio mesmo que essa é a única solução para que possamos crescer.

Tal como me parece fundamenta­l que se volte a discutir a criação de um metro, que resolva os problemas de mobilidade. Não apenas aqueles que temos hoje, mas os do futuro. Poderia ser na superfície na baixa citadina e subterrâne­o, por exemplo, a partir da zona do Conservató­rio. Tal como não me choca – acho mesmo que é capaz de ser a única alternativ­a – que uma quarta via de acesso à zona oeste tenha de ser quase exclusivam­ente subterrâne­a.

Queremos uma cidade evoluída, uma cidade resiliente, uma cidade sustentáve­l? Queremos uma cidade que crie oportunida­des de desenvolvi­mento e riqueza para todos? Queremos uma cidade onde investir não seja apenas um ato de amor, mas uma racionalid­ade económica? Essa é a cidade querida? Pois bem, é tempo, então, de ser ousado e de pensar fora da caixa. É tempo de equacionar políticas de choque para que efetivamen­te não fique tudo na mesma.

Este é o grande desafio de Pedro Calado e da sua equipa: projetar a cidade no futuro. Espero e confio que estejam à altura!

Sancho Gonçalves Gomes escreve à sexta-feira, de 4 em 4 semanas

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