Jornal Madeira

Vinicius Piedade: “Regressar aos palcos depois de um ano e meio será emocionant­e”

Ator e escritor brasileiro apresenta esta noite, às 21 horas, o monólogo ‘Cárcere’, no Centro Cultural John dos Passos, no âmbito do Festival Avesso.

- Por Catarina Gouveia catarina.gouveia@jm-madeira.pt

‘Cárcere’, um monólogo com direção e interpreta­ção de Vinícius Piedade, sobe hoje ao palco do auditório do Centro Cultural John dos Passos, às 21 horas, no âmbito do segundo dia do Festival Avesso. Em cena, uma peça que coloca em reflexão a liberdade nos olhos de um pianista privado da sua liberdade, sem o seu piano. Um espetáculo com mais de uma década faz, agora, “mais sentido do que nunca”. Em entrevista ao JM, o ator, diretor e escritor brasileiro que já levou os seus projetos a mais de 18 países de cinco continente­s diz ser “muito especial” estar na Madeira pela segunda vez agora que “estamos de volta à vida”.

Apresentar­ia ‘Hamlet Cancelado’ em março de 2020 na Madeira, mas a pandemia cancelou tudo.

Quando, em 2020, começaram os cancelamen­tos, as minhas apresentaç­ões em Portugal foram as primeiras a ser canceladas. No Brasil, as pessoas achavam que o vírus não chegaria lá com tanta força, mas claro que depois as apresentaç­ões de todos foram canceladas por lá também. Na altura, eu ia participar no Festival AMO-TEATRO. Pareceu uma redundânci­a, o espetáculo ‘Hamlet Cancelado’ foi cancelado. Momentos difíceis. Mas estamos de volta à vida. Não todos. No Brasil, foram 600 mil mortes, muitas por culpa da irresponsa­bilidade do nosso desgoverno que se não tivesse sido negacionis­ta, poderia ter salvo milhares de vidas. Triste. Mas seguimos. Sigamos.

Está contente por finalmente estar cá?

Estar na Madeira pela segunda vez é muito especial, ainda mais nessas condições. O regresso aos palcos depois de um ano e meio fora será emocionant­e.

Podemos fazer uma ponte entre a liberdade condiciona­da pelo vírus da covid-19 e ‘Cárcere’, que apresenta na Ponta do Sol e que fala exatamente da privação de liberdade. Como surgiu a ideia e o que o inspirou?

Esta peça, que surgiu a partir de apresentaç­ões de um outro espetáculo em presídios, foi ganhando novas camadas com o passar dos anos. No início, eu queria falar das condições do sistema prisional brasileiro. Depois da ressociali­zação (que não acontece). Com o tempo, des

Vinicius Piedade,

cobri que a peça falava, na verdade, sobre liberdade. A liberdade através dos olhos de alguém privado da sua liberdade. E na pandemia essa questão ganhou novas camadas. O personagem pergunta para o público “o que é liberdade para você agora? Não me venha com respostas prontas. Pense e sinta agora!”. Essa pergunta pós-isolamento social e quarentena­s longas ganhou uma outra dimensão. Todos experiment­ámos na pele um pouco de privação de liberdade, mesmo que de maneira necessária para a saúde de todos. E estamos saindo dela diferentes. Melhores? Não sei. Mas ao menos mais consciente­s do significad­o dessa palavra tão fundamenta­l. Cheguei a apresentar a peça desde a minha casa, em formato online, e lembro-me de como as pessoas me diziam que eu estava a falar delas. Ou seja, mesmo que não falemos de prisão, há reflexões e sensações na peça que dialogam com todos. Hoje em dia, mais do que nunca.

Este é um projeto com vários anos, mas faz mais sentido agora?

Como trabalho com teatro de repertório, as peças ficam em cartaz e em circulação ao longo de muitos anos. Costumo levar todas as minhas peças a cada cidade por onde passo. Já estive aqui, na Madeira, com ‘Identidade(...)’, agora vem ‘Cárcere’, e espero ainda realizar o ‘Hamlet Cancelado’. E que não seja cancelado. ‘Cárcere’ faz mais sentido do que nunca. O que o personagem diz hoje em dia reverbera de forma diferente. E como a peça percorre diferentes emoções, do riso ao drama, as nuances serão ainda melhor exploradas nesse ‘regresso à vida’.

‘Cárcere’ já viajou por várias cidades de Portugal e diversos países. A mensagem que quer passar é sempre compreendi­da, tendo em conta que os públicos são tão diferentes?

Tenho sido, com muito orgulho, dos artistas brasileiro­s que mais circulam em Portugal. Este ano, devo alcançar as 25 cidades. Pelo mundo, a peça já passou por 18 países de cinco continente­s e o que entendo é que ela é sempre compreendi­da, mesmo quando legendada. Recordo-me de experiênci­as incríveis, como aquela vez em que me apresentav­a na Arménia e boa parte do público iraniano compreende­u a dimensão da peça, mesmo sem compreende­r o idioma ou a legenda em inglês. Ou em Munique, quando a legenda falhou e o público se integrou mais ainda na peça. Para além da palavra, há o ritmo e a musicalida­de. A compreensã­o transcende o racional.

Há reflexões e sensações na peça que dialogam com todos. Hoje em dia, mais do que nunca.

ator

O seu trabalho é bastante pautado pelos seus monólogos. É uma paixão? É duplamente exigente?

Quem faz um monólogo não pára nunca mais. Há uma conexão com o público única e incomparáv­el. Já tenho cinco monólogos e já preparo o sexto com um diretor português! Farei com o Paulo Reis da Musgo de Sintra, uma peça inspirada no universo do escritor José Saramago. O nome da peça é ‘Provavelme­nte Saramago’ e deve estrear no próximo ano, ano em que ele completari­a 100 anos.

O que espera do público madeirense?

Espero um público pronto para vivenciar uma experiênci­a. O teatro, para mim, é uma experiênci­a coletiva. O público não apenas ‘assiste’. O público tem de estar ativo, construind­o em conjunto aquilo que eu chamo de acontecime­nto. Que por mais efémero que seja, é eterno.

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