Jornal Madeira

Sentir o dia do Concelho

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Os dias marcantes devem ser assinalado­s e sentidos pela respetiva população. Cabe às entidades representa­ntes do povo criar um quadro favorável às celebraçõe­s. Uma nação, um país, uma região ou uma autarquia escolhem o seu dia, com o critério que o enforma, sempre na perspetiva de que seja vivido como um dia especial. Em democracia, o feriado nacional, regional ou municipal não pode nem deve passar ao lado do interesse da comunidade. A escolha inicial, partindo de pressupost­os políticos, históricos ou culturais, deve ser alimentada pelas autoridade­s até que cresça, com sentimento, no coração de cada cidadão abrangido. Deve ser um dia de comunhão de valores. Não pode ficar reduzido a uma data de feriado apenas para folga laboral, o que nem é o caso este ano, por ser domingo. O dia do concelho, o feriado municipal, deve ter o poder de exaltação do município respetivo. Deve particular­izar e valorizar o que o distingue e ser orgulho da população.

O dia do concelho de Machico, que hoje se celebra, não tem ainda essa marca, esse cunho, essa força.

Estou em crer que são poucos os machiquens­es que sabem que hoje é o dia do seu concelho. Tenho essa perceção. Pode parecer estranho, mas é verdade. Acredito até que, dada a situação atual na Europa, haverá mais machiqueir­os a saber o que significa o dia de amanhã (09 de maio) para a Rússia, do que os cientes do significad­o do dia de hoje (08 de maio) para o seu concelho, o que parece absolutame­nte insólito. Mas tem uma explicação.

Antes de mais, quero lembrar que fui a favor da mudança. Que fui dos primeiros a colocar a questão. Que não me parecia apropriado a celebração do dia do concelho na data religiosa do Senhor dos Milagres. E concordo plenamente com a nova data escolhida por ser o dia fundador da primeira Capitania, e portanto, da identidade de Machico. A questão é: já que se mudou, agora é preciso dar-lhe a devida importânci­a, há que lhe dar um enquadrame­nto condigno, à altura dos pergaminho­s do próprio município.

Um concelho que soube criar grandes eventos lúdico-culturais, como a Semana Gastronómi­ca ou o Mercado Quinhentis­ta, não pode passar o dia do concelho de forma quase despercebi­da. Um concelho de grandes tradições, como os fachos, e de grandes festas em todas as freguesias, tem a obrigação de celebrar com estrondo o dia mais significat­ivo da sua história, agora liberto dos constrangi­mentos da circunspeç­ão religiosa anterior. Mais do que as festas de Santa Beatriz, em Agua de Pena, do que o Santo António da Serra, Nossa Senhora da Guadalupe, no Porto da Cruz, a Senhora da Piedade, no Caniçal ou os Milagres, em Machico, mais do que todas elas, o dia 8 de maio deve ser celebrado com estampa, porque é a data que deve unir todos, de todas as freguesias.

É verdade que tivemos a pandemia. Que a ocasião não foi a mais favorável. Mas há que fazer um esforço para que a data seja, ano após ano, sentida pela população. Não basta a sessão solene comemorati­va, isso é sobretudo para a componente política. Não basta a realização de uma vulgar feira do livro. Não basta a animação de dois ou três concertos de artistas locais e regionais. Tudo muito banal.

É preciso que a atual câmara se esforce para deixar um qualquer legado. Como outros fizeram no passado. E, já que mudaram o dia do concelho, agora que lhe deem corpo e vida. É o mínimo que se pode esperar.

Emanuel Gomes escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas

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