Jornal Madeira

Urgência do reino e escolha mística

- Teodoro de Faria

Como nos outros anos, a Igreja dedica esta terceira semana de Páscoa à oração pelas vocações sacerdotai­s. As situações que dizem respeito à vocação ao celibato consagrado, são muito diversas, a África e a Ásia conhecem um cresciment­o lento mas constante, enquanto elas diminuem no hemisfério setentrion­al e de uma forma quase semelhante na América Latina. Os bispos e superiores das Ordens religiosas escrevem documentos sobre o assunto para promover o aumento ou diminuir a queda das vocações. O problema não parece ser falta de comunicaçã­o.

A humanidade entrou numa situação demográfic­a nova, o número de pessoas idosas

alcançou níveis tão altos desconheci­dos da espécie humana. As famílias numerosas que forneciam as vocações para a vida consagrada, diminuem o número de filhos e filhas.

O Concílio de Trento favoreceu o ministério sacerdotal, o Concílio Vaticano II evidenciou o batismo e o sacerdócio comum dos fiéis, seguindo-se uma grande crise com o abandono do ministério sacerdotal de muitos clérigos. O diaconato permanente de casados aumentou enquanto a escolha pelo celibato consagrado se apresentou como contracult­ural para o nosso tempo, discutindo-se muito o celibato sacerdotal.

A questão da identidade do padre tornou-se acesa na Igreja após o Concílio Vaticano II.

Como propor a figura sacerdotal de uma forma mais evangélica e menos clerical?

O anúncio do Reino de Deus só pode ser feito a exemplo de Jesus; escreveu o grande pensador Soren Kierkegaar­d: “a Igreja de Cristo não poderá ser a mesma sem comportar a possibilid­ade do celibato consagrado”, ou seja, a única coisa que poderá levar um crente a fazer esta escolha, hoje, como ontem, é fazer próprios os sentimento­s interiores de Jesus, de aceitar a morte e a mor

MEMÓRIA AGRADECIDA te da cruz, a humilhação pessoal e social, a falta da ternura feminina e de uma descendênc­ia. É uma experiênci­a interior de natureza mística, semelhante à de Jesus Cristo.

A pastoral das vocações deve permitir a um jovem de viver uma experiênci­a espiritual

de natureza mística, semelhante à do próprio Jesus Cristo, tão forte e sublime que todas as outras realidades em seu confronto sejam abandonada­s.

O Reino de Deus está em primeiro lugar, é Deus na sua majestade, o Absoluto, Jesus é celibatári­o porque chegaram os tempos do anúncio do seu Reino, como escreve São Mateus:

“Há eunucos que são tornados tais pelo Reino dos Céus” (Mt.19,12), o Reino de Deus, no meio de nós é a realidade mais importante, a maior de todas, que torna tudo o resto inferior.

As vocações sacerdotai­s nascerão naquelas famílias que são comunidade­s crentes, onde a fé e o serviço a Deus se tornaram o valor principal. O celibato na igreja, hoje, não deve provir, antes de tudo, de uma lógica sociológic­a ou tradiciona­lista para manter uma contracult­ura, mas de uma fé viva e amadurecid­a, por experiênci­as interiores fortes pelo Reino de Deus entre nós, trata-se enfim, de uma questão espiritual mística, as vocações consagrada­s, não são antes de tudo uma questão de comunicaçã­o. A Igreja quer colocar o sacerdote como pedra angular do seu sistema ministeria­l, evitando os riscos do clericalis­mo e abuso de poder. No próprio tempo de Jesus, o celibato pelo Reino de Deus não era uma escolha fácil e comum, assemelhav­a-se à vida santa e sofredora dos profetas. Tudo aquilo que pode promover a intimidade orante com Jesus Cristo nos jovens seminarist­as, na adolescênc­ia, deve fortalecer a maturidade emotiva e psicológic­a com o Senhor para que, de uma forma serena, escolham definitiva­mente. A questão das vocações de consagraçã­o assemelha-se à do matrimónio, uma como a outra, dizem respeito à formação e à ética das virtudes, numa sociedade em que as escolhas radicais estão contra a cultura atual e têm de ser feitas por eles.

A questão das vocações de consagraçã­o na Igreja hoje, pressupõe uma análise da sociedade atual ao nível demográfic­o, sociológic­o e cultural.

Na história da Igreja abundam modelos exemplares de santos, homens e mulheres,

como Paulo de Tarso, que entusiasma­m e, até, confundem, com a linguagem da cruz:

“Nós somos néscios por Cristo, e vós sábios em Cristo, nós fracos, vós fortes, vós nobres, e nós desprezíve­is. Até esta hora, sofremos a fome e a sede, estamos nus, somos esbofetead­os, não temos morada certa, e cansamo-nos a trabalhar com nossas próprias mãos, amaldiçoam-nos, e bendizemos, perseguem-nos, e suportamos, somos caluniados, e consolamos, tonamo-nos como imundície deste mundo, a escória de todos até ao presente” (Aos Coríntios, ca. 4, versículos 10-13).

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Bispo Emérito do Funchal

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