Jornal Madeira

O bolo de aniversári­o

- Cláudia Faria

Quem me conhece sabe que sou festeira e não é por já ter meio século de vida que vou deixar de celebrar o meu aniversári­o, cantar os parabéns e soprar as velas. Sendo filha única, não tenho como esconder o privilégio de ter podido ter uma festa, ano após ano, juntando quer a família quer os amigos.

Há poucos dias e em conversa com a minha mãe, lembramo-nos de algumas das minhas festas, com especial destaque para as que comemorei na praia com os primos e amigos. Não sei se é impressão minha, mas Maio costumava ser mais quente, e na verdade, passei muitos dias de anos a dar mergulhos e a torrar ao sol.

Lembrei-me igualmente dos vários bolos, ora feitos pela minha mãe, ora pela minha tia Helena que se mantinham atentas às novidades, e me surpreendi­am com casinhas feitas com waffles plantadas em jardins de relva de coco, pergolas de esferovite e cobertas de chantilly e lagos com patinhos de plástico. Também tive bolos com a Heide, a Minnie e outros tantos bonecos que faziam as nossas delícias durante a infância. Sobre a toalha de crochet e além do bolo, havia sempre a taça de geleia de morango, o pirex do mousse de chocolate e ainda as batatas fritas e os “pôr-do sol”, umas tiras de queijo que chegaram não sei de onde e que terminavam num abrir e fechar de olhos. Quadrados de queijo e azeitonas eram também petiscos da praxe, assim como o Tang de laranja.

Porém, e a partir de certa altura, os meus bolos de aniversári­o passaram a vir do Porto Santo. Um verdadeiro luxo, eu sei!! A cada véspera do grande dia, lá ia o meu Tio Rogério esperar o Pirata Azul. Depois de todos os passageiro­s saírem, uns mais enjoados que outros, surgia a D. Maria José, segurando, cuidadosam­ente, uma caixa de papelão com o meu nome. Nem imaginam a emoção porque a Sara fazia questão de me surpreende­r e por mais que eu insistisse nunca me dizia como era o meu bolo. E que bolos! Inigualáve­is, verdadeira­s obras de arte que ela copiava das revistas da especialid­ade que os tios enviavam da América e que eu folheava, página a página durante as férias de Verão, marcando as minhas preferidas com um papelinho com o meu nome, não fosse ela se esquecer de mim.

As formas também chegavam dessa terra longe onde se falava inglês e onde tudo era moderno: estrelas, sinos, pinheiros adequados à época natalícia, peixes, gatos, coelhos e tantas outras, nunca antes vistas.

Houve uns tempos em que todas as meninas pediam à Sara o bolo da boneca. Lembro-me bem da sensação que este bolo causou e foram tantas as vezes que a vi montar. Faziam-se dois bolos, um maior e outro menor e ajeitava-se, de modo a criar uma grande saia rodada. Enfiava-se a boneca loira no meio que ficava nua do tronco para cima. Cobria-se de branco e fazia-se riscas de várias cores: rosa, verde, vermelha e até azul que depois eram rematadas com pérolas prateadas, pequenas e grandes, alternadam­ente. A parte de cima da boneca era também coberta de creme, de modo a fazer um corpete que era igualmente polvilhado de pérolas prateadas.

Eu nunca pedi esse bolo. Mas tive um campo de futebol, não me lembro com que equipas e outros tantos diferentes que recordo sempre com entusiasmo. Porém, um dos meus bolos “sensação” foi uma sapatilha americana – “All Star” cor de laranja e azul que fez esbabacar as minhas amigas e que até me custou a cortar, desejando, poder guardá-lo, assim imaculado, para todo o sempre. Lembro-me bem de passar na sala, onde ele ficou atá ao momento da festa, uma e outra vez, admirando-o, em total êxtase e antevendo o impacto que iria causar nos meus convidados. Esse ano, e como já era habitual, a festa foi na praia. Na mesa de madeira e em cima de uma toalha de papel branca, a minha mãe colocou a minha sapatilha e cantaram-me os parabéns, era já noite escura. Ao apagar as velas, consegui distinguir o bater da maré cheia nas rochas sobranceir­as à baiuca do Tio Abílio. Ouvi também o piar das cagarras que nidificava­m na gruta tantas vezes explorada em cima de uma bóia de pneu de camião. E ouvi o som da felicidade. Ainda o oiço. Todos os dias. Nos dos meus anos e nos outros.

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