Jornal Madeira

O divino Espírito-santo

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Estamos na época dele, não do Espírito-santo, que está sempre presente, estamos na época, sim, das visitas pós-pascais do símbolo do Espírito-santo às casas madeirense­s. Se noutras localidade­s o evento não tem tanto fulgor, o mesmo não se pode dizer da freguesia da Ponta do Sol, de outros tempos, sobretudo.

Os festeiros são convidados por passagem da bandeira vermelha, na visita pascal, se o destinatár­io a segurar, está aceite habemus festeiro para o ano seguinte. A estes compete a organizaçã­o das visitas do seu sítio, a alimentaçã­o da comitiva, o pagamento dos instrument­istas e das saloias.

As saloias são duas crianças do sexo feminino, escolhidas de entre os sítios da congregaçã­o, engalanada­s com vestido branco com capa e fita vermelhas cobertas de flores amarelas secas: as perpétuas e ouro, muito ouro. Tanto ouro que se pode pesar em quilos! Não vem duma mina, vem dos empréstimo­s que muitas vezes configuram cumpriment­o de promessas, feito por diversas famílias da Paróquia, cuidadosam­ente etiquetado e marcado. Ser saloia é, pois, não só um honra, como uma responsabi­lidade para as mães e para toda a comitiva que tem de guardar as preciosida­des durante diversos domingos seguidos.

As saloias da Ponta do Sol, felizmente, ainda usam os penteados à moda antiga, com inúmeras trancinhas, enroladas num “có-có”, rematado pela carapuça e pejado de presilhas douradas. Sabendo de antemão a missão que as aguarda, as valentes saloias deixam o cabelo crescer de propósito para o evento. Na freguesia da Ponta do Sol há duas artistas responsáve­is pelos penteados da dupla, uma delas é a minha amiga Judite, uma pequena da minha idade que com mestria e perícia torce e retorce e voilá, uma bela saloia de rosto iluminado surge defronte do espelho do salão Oásis, na Lombada dos Esmeraldos.

As festas de recepção da comitiva na casa dos festeiros, de determinad­o dia, é de acordo com a vontade e a possibilid­ade do festeiro, mas nos anos 80 e ainda 90, ser festeiro era sinónimo de grande festança, decesso de uma ou duas vacas, várias aves e outros tantos exemplares da fauna. Uma pipa de vinho e maia, muita maia, que circundava a casa do festeiro, rematada com bandeiras com a cruz de Cristo. Ainda hoje, a maia e as bandeiras, assinalam a casa dum festeiro do Espírito-santo, com ou sem decesso da vaca.

Para as saloias e instrument­istas uma forma de ganhar umas notas e moedas, metidas nos cestos que enfeitam os braços da dupla e nos próprios instrument­os, se hoje ajuda, nos anos 80 eram uma fonte de rendimento extra muito apreciada.

Ainda hoje, a maia e as bandeiras, assinalam a casa dum festeiro do Espírito-santo, com ou sem decesso da vaca.

Em cada casa que se abre espera o grupo não só bolos caseiros como vinhos, licores, broas, caramelos e uns quilos a mais.

No final do circuito pelos sítios da Paróquia há o arraial, ali vai comparar-se-á a quantidade e duração do fogo e das girândolas que estalam às 12 horas, a quantidade de conjuntos musicais que animará os paroquiano­s e fará dançar, os mais alegres, a típica dança do vai, vai, vai, quase que cai, como tão bem fazia o Sr. Gabriel, que há poucos anos nos deixou, e as flores que enfeitam a igreja.

É assim o nosso “Espírito-santo” tão pontassole­nse, tão madeirense tão nosso.

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Sara Madalena escreve à sexta-feira, de 4 em 4 semanas

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