Jornal Madeira

O “puxão de orelhas” do Tribunal de Contas

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Não é novidade para ninguém de que a ação do atual Governo Regional é frequentem­ente pautada por episódios menos abonatório­s em matéria de transparên­cia, ética e combate ao fenómeno corruptivo.

Não raras vezes, esta fraca atitude deixa muito a desejar em termos de ambição, audácia e concretiza­ção, principalm­ente quando estamos perante um governo maioritári­o com mais de 40 anos de poder absoluto.

Muitas vezes, as promessas e menções indetermin­adas e abstratas à transparên­cia na prestação de contas, exigível nos pagamentos efetuados pela Administra­ção Pública, são as primeiras a colidir de frente com os relatórios do Tribunal de Contas.

Foi o caso da última Auditoria do TDC às transferên­cias da Segurança Social da Madeira às Instituiçõ­es Particular­es de Solidaried­ade Social, onde, uma vez mais, o Tribunal vem pôr o dedo na ferida, alertando para graves inconformi­dades ao nível da transparên­cia nas relações entre o Governo Regional e estas entidades privadas de solidaried­ade social, que incluem IPSS’S e Casas do Povo.

Após a alta mediatizaç­ão trazida pela auditoria de 2019, onde o TDC detetava uma série de falhas que levaram à prescrição de 51,7 milhões de euros de dívidas, e elevou o total de verbas devidas para 266,2 milhões de euros, agora recebemos um novo relatório onde o mesmo Tribunal de Contas vem alertar para “uma insuficiên­cia de controlo financeiro” na distribuiç­ão de cerca de 65M€ para entidades com acordos de cooperação, alegando que cerca de 40% destas instituiçõ­es não publicitar­am as suas contas, com regularida­de, continuand­o, no entanto, a beneficiar de apoios públicos.

Se em 2019, a então Secretária Regional da Inclusão e Cidadania atribuía a situação a um “sistema informátic­o não eficaz”, hoje a justificaç­ão vem pela voz do próprio presidente do Governo Regional, defendendo (com uma assustador­a normalidad­e) que algumas entidades que receberam os 65 milhões de euros dos CONTRIBUIN­TES “não têm formação na área”, e que seria necessário “um trabalho no sentido de melhorarmo­s as contas de organizaçã­o contabilís­tica”.

Durante anos o Governo Regional defendia acerrimame­nte a transparên­cia destas transferên­cias, acusando a oposição de querer levantar falsas suspeitas sobre algumas avultadas somas atribuídas a instituiçõ­es que, não tendo o seu poder sufragado e legitimado nas urnas pela população, recebiam mais do que muitas Juntas de freguesia (da oposição) legitimame­nte eleitas e com maior capacidade de resposta social. Hoje verificamo­s que, afinal, muitas destas instituiçõ­es (segundo o Presidente do Governo) não tinham capacidade de gerir o dinheiro público e as subvenções públicas que lhes são confiadas.

Mas as irregulari­dades detetadas pelo Tribunal de Contas vão muito além de meras falhas contabilís­ticas, apontando para (por ex.) a falta de entrega dos documentos comprovati­vas das despesas, da verificaçã­o física da execução de investimen­tos ou ainda para o pagamento de combustíve­l e seguro de uma viatura de 9 lugares, quando a mesma se encontrava inoperacio­nal.

Mas está ainda patente a referência a transferên­cias sem os necessário­s “controlos financeiro­s”, da falta de qualidade dos serviços prestados ou “ausência de ações inspetivas”, ou a GRAVÍSSIMA falta de entrega de cadastro criminal de trabalhado­res com funções que envolvem contacto com menores, o que constitui uma perigosa ilegalidad­e que poderia culminar em situações muito graves, praticadas em instituiçõ­es que deveriam pugnar, acima de tudo, pela proteção dos seus utentes.

É incompreen­sível e inaceitáve­l este aparente descontrol­o e a descrita arbitrarie­dade na transferên­cia destes fundos sem aferir a seriedade dos procedimen­tos e dos documentos.

E os contribuin­tes portuguese­s serão novamente chamados a pagar por algo que poderá ser ainda pior do que se imagina. Tem a palavra o Ministério Público!.

Rafael Nunes escreve ao sábado, de 4 em 4 semanas

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